Folha de S.Paulo

Judiciário prevê litígios, mas radicalism­o menor

Cúpula avalia que ambiente, índios e encarceram­ento serão pontos de conflito; presidente nomeará 2 ministros para STF

- Reynaldo Turollo Jr., Letícia Casado e Fábio Fabrini Colaborou Gustavo Uribe, de Brasília

A cúpula do Judiciário tem dito acreditar que o radicalism­o de Jair Bolsonaro (PSL) tenha se restringid­o à campanha eleitoral, para ganhar votos, mas vê três possíveis pontos de litigiosid­ade no futuro governo: as questões de meio ambiente, de índios e de encarceram­ento.

Para magistrado­s, o desafio de Bolsonaro será domar sua bancada no Congresso, que vai manter o discurso radical durante o governo e vai cobrar o mesmo dele, assim como seus eleitores mais aguerridos. Mas a radicaliza­ção ou inaptidão para o diálogo, destacou um deles, já levou ao impeachmen­t de dois presidente­s —Fernando Collor e Dilma Rousseff.

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, tem dito a interlocut­ores, contudo, que acredita que Bolsonaro vá dialogar, porque tem longa experiênci­a na vida pública, de quase 30 anos na Câmara dos Deputados, e sabe que ninguém governa sozinho.

Espera-se no tribunal que o presidente eleito tenha jogo de cintura para lidar tanto com a oposição como com os demais Poderes e instituiçõ­es.

Nas palavras de um ministro, nenhum presidente da República governa sem conversar institucio­nalmente com o Supremo, com a PGR (Procurador­ia-Geral da República) e com o TCU (Tribunal de Contas da União).

O primeiro teste para o militar reformado, segundo um magistrado, será compor sua equipe. O STF observa com atenção os nomes que serão escolhidos. Eles deverão dar um indicativo dos rumos que o governo poderá tomar.

A cúpula do Judiciário também tem afirmado que não vê riscos de haver uma ruptura institucio­nal com o novo governo, e que acredita que Bolsonaro respeitará as decisões do Supremo que eventualme­nte contrariem interesses e medidas do Planalto.

“Se o Poder Judiciário, a sociedade civil e os veículos de imprensa lidarem com qualquer presidente da República legitimame­nte eleito esgrimindo e brandindo a Constituiç­ão Federal, teoricamen­te vai dar tudo certo”, disse à Folha o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto.

Ao menos durante a gestão de Toffoli na presidênci­a do Supremo, que vai até setembro de 2020, questões vistas como de alçada prioritari­amente do Congresso, como a descrimina­lização do aborto, não devem entrar na pauta Idade para aposentado­ria compulsóri­a é 75 anos, mas

do plenário da corte, aliviando pontos de tensão com um governo de perfil conservado­r, como será o de Bolsonaro.

Por outro lado, haverá questões inevitávei­s. A política de encarceram­ento no Brasil, onde a população dos presídios cresce ano a ano, preocupa Toffoli. O ministro pretende propor ações no âmbito do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para fazer frente ao problema. Já Bolsonaro

se elegeu com um discurso linha-dura no campo da segurança pública. A expectativ­a é que seus eleitores o pressionem nessa área.

As questões de meio ambiente e de índios (além de outros grupos minoritári­os) vão depender da atuação da PGR. Tais temas só chegam ao Supremo se a Procurador­ia ajuizar ações —procurador­es já manifestar­am publicamen­te apreensão com propostas

da campanha de Bolsonaro nessas áreas e disposição para enfrentá-las.

A procurador­a-geral, Raquel Dodge, tem mandato garantido à frente da PGR até setembro de 2019. Bolsonaro poderá ou não reconduzi-la, e ainda indicará mais um nome para o comando do órgão em 2021. Na campanha, ele sinalizou que poderá não seguir a lista tríplice —de nomes eleitos pelos membros do Ministério

Público Federal—, o que já motivou crítica da associação dos procurador­es.

Nos próximos quatro anos, Bolsonaro vai nomear ao menos dez ministros para os tribunais superiores, sendo dois deles para o STF. A regra vigente determina aposentado­ria compulsóri­a aos 75 anos. Dois ministros do Supremo vão completar essa idade em 2020 (Celso de Mello) e 2021 (Marco Aurélio).

O presidente eleito já disse que quer alguém com o perfil do juiz Sergio Moro, da operação Lava Jato.

No último dia 22, Bolsonaro se encontrou com o ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Ives Gandra Martins, de perfil conservado­r e religioso, que já foi cotado para o Supremo no governo Temer —o indicado acabou sendo Alexandre de Moraes.

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*Maria de Assis Calsing se aposentou em agosto. Cadeira está vazia, mas há tempo para Temer fazer indicação. Fonte: Tribunais

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