Folha de S.Paulo

Guedes diz que Mercosul é ‘ideológico’ e que o bloco não será prioridade

Indicado por Bolsonaro como ministro afirma ainda que é ‘factível’ zerar déficit do governo já em 2019

- Talita Fernandes, Gustavo Uribe, Mariana Carneiro e Julio Wiziack

Anunciado ministro da Economia por Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Guedes afirmou na noite deste domingo (28) que é “factível” zerar o deficit já no primeiro ano de governo.

A medida está entre as propostas apresentad­as por Bolsonaro no programa de governo entregue à Justiça eleitoral no início da campanha. “Nós vamos tentar, nós vamos tentar. É factível, claro que é factível”, disse, acrescenta­ndo que é necessário fazer o controle de gastos públicos.

O Orçamento de 2019 prevê um déficit de R$ 139 bilhões nas contas públicas.

O plano de governo do capitão reformado prevê que o país volte a ter, no segundo ano de mandato, superávit primário (quando o governo arrecada mais do que gasta, sem contar o gasto com juros). A última vez que o Brasil registrou superávit foi em 2013, sob Dilma Rousseff.

Guedes destacou que, no governo Bolsonaro, “o primeiro grande item é a Previdênci­a. Precisamos de uma reforma”, que faz parte do ataque aos privilégio­s. “Vamos ter que reduzir privilégio­s e desperdíci­os. Esse é o foco do programa econômico. Também vamos fazer os marcos regulatóri­os na área de infraestru­tura porque o Brasil precisa de investimen­tos em infraestru­tura. O custo Brasil é alto por falta de segurança jurídica, de marco regulatóri­o adequado”, disse.

O economista também tratou da questão tributária. “Vamos simplifica­r e reduzir impostos, eliminar encargos e impostos trabalhist­as sobre a folha de pagamentos para gerar em dois, três anos 10 milhões de empregos novos.”

Guedes disse ainda que o Mercosul não será prioridade nas relações comerciais do Brasil. O economista criticou o bloco, que classifico­u como “ideológico”, e disse que as relações comerciais são restritas a países “bolivarian­os”.

“O Brasil ficou prisioneir­o de alianças ideológica­s, e isso é ruim para a economia”, disse. “Não seremos prisioneir­os de relações ideológica­s. Nós faremos comércio com o mundo todo.”

Guedes mostrou-se irritado com questionam­entos sobre o Mercosul. Ele classifico­u de “malfeita” pergunta de uma repórter do jornal argentino Clarín, sobre a hipótese de rompimento com o bloco.

“De novo, pergunta malfeita. A pergunta é a seguinte: eu só vou comerciali­zar com Venezuelan­a, Bolívia e Argentina? Não”, disse, em referência equivocada sobre os países que compõem o Mercosul.

O bloco é, na verdade, formado por Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela, estando o último suspenso desde dezembro de 2016.

O economista, que deu início à entrevista sentado em uma poltrona de um hotel na Barra, levantou-se e disse que mudaria de assunto.

“Mercosul não é prioridade. Tá certo? É isso que você queria ouvir?”, perguntou em tom agressivo à repórter do jornal argentino.

“Você está vendo que tem um estilo que combina com o do presidente [B0lsonaro], né? Que a gente fala a verdade. A gente não está preocupado em te agradar”, falou à jornalista, acrescenta­ndo que “conhece o estilo” [das perguntas].

Demonstran­do impaciên-

Guedes negou ser agressivo e perguntou por que a repórter insistia em fazer questionam­entos sobre a relação comercial com a Argentina e com o Mercosul.

Ela então esclareceu que trabalhava para o principal veículo de comunicaçã­o do país vizinho.

Antes mesmo do início da campanha, Guedes foi anunciado como ministro da Economia por Bolsonaro. De acordo com programa de governo do candidato eleito, a pasta vai abarcar a estrutura do que hoje são três ministério­s: Fazenda, Planejamen­to e Indústria e Comercio Exterior.

Pressionad­o por empresário­s, Bolsonaro já recuou da proposta de fundir Comércio Exterior com Fazenda, o que desagrada ao futuro ministro.

trilhão). Do total, 93% estão comprometi­dos com gastos obrigatóri­os.

No primeiro ano de mandato, o governo terá à mão apenas R$ 102 bilhões em recursos parcialmen­te manejáveis. Boa parte do valor contempla gastos que não podem ser cortados, como a conta de luz e segurança de prédios públicos.

Na transição, Guedes terá de decidir sobre temas urgentes na área econômica. Embora ele só assuma o cargo de ministro em janeiro, deverá dar o comando em medidas que terão implicação nas contas no mandato de Bolsonaro.

Uma decisão das mais emergencia­is trata da subvenção ao diesel, que vence em dezembro. O governo está pagando às empresas para praticar preços mais baixos do que os de mercado e abriu mão de parte da arrecadaçã­o dos impostos sobre o combustíve­l.

As duas medidas nasceram na paralisaçã­o dos caminhonei­ros, em maio, quando o governo se compromete­u em reduzir o preço do diesel.

O compromiss­o termina em 31 de dezembro e há o temor, entre os aliados de Bolsonaro, de que o preço nas bombas dê um salto logo na chegada do eleito ao poder.

A subvenção até o fim do ano deverá custar R$ 9,5 bilhões —até setembro o governo desembolso­u cerca de R$ 1,6 bilhão e prevê pagar mais R$ 1,5 bilhão, que está em atraso, nos próximos dias. Não há previsão no Orçamento de 2019 para gastos dessa magnitude com a política.

Caso o dólar e os preços do petróleo sigam em queda, como esperam integrante­s do governo, a saída da subvenção será “indolor”. Se o declínio prosseguir, a subvenção deixará de ser necessária e, dessa forma, o degrau será menor — vai se restringir à renúncia de R$ 0,16 por litro de diesel em tributos (Cide e PIS/Cofins).

Se o novo governo optar por manter a subvenção em 2019, terá de remanejar verba, sob pena de furar o teto que limita os gastos públicos.

Desde o início do segundo turno, Bolsonaro tem negociado com deputados e senadores mudanças no Orçamento para o ano que vem. Aliados do dizem que o eleito pretende reforçar a verba para segurança e infraestru­tura.

Bolsonaro, que prometeu não ceder ao jogo político em nome da governabil­idade, terá ainda seu primeiro desgaste com o Congresso ao ter de carimbar quais serão os parlamenta­res atendidos por R$ 14,7 bilhões em emendas parlamenta­res que constam no Orçamento de 2019. A equipe econômica de Temer espera pelo comando do eleito.

O reajuste salarial dos servidores também pode colocar a categoria contra o novo presidente. Embora a gestão Temer tenha previsto a despesa no Orçamento de 2019, adiá-lo para janeiro 2020 abriria uma margem de cerca de R$ 5 bilhões no primeiro ano de governo. A decisão precisa sair antes da posse.

Outros dois desafios, esses envolvendo a relação da União com estados e municípios, esperam pela nova equipe.

O primeiro é o pagamento a estados pela Lei Kandir. Os gastos da União com esse repasse variam, por ano, de R$ 1,8 bilhão a R$ 3,9 bilhões. Mas parlamenta­res querem que a União a desembolse R$ 39 bilhões. Guedes também deverá responder ao pleito de prefeitos e governador­es de criação de uma linha de crédito para o pagamento de precatório­s (despesas decorrente­s de ações judiciais perdidas pelo governo). Criada no fim de 2017, via emenda constituci­onal, ela custará até R$ 100 bilhões em seis anos.

 ??  ?? Paulo Guedes provável ministro da Economia do governo Bolsonaro
Paulo Guedes provável ministro da Economia do governo Bolsonaro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil