Folha de S.Paulo

Analistas nos EUA veem democracia em risco, mas também oportunida­de

- Júlia Zaremba e Danielle Brant

Um retrocesso, uma ameaça aos direitos dos cidadãos e à democracia, um risco à educação, ao ambiente e ao pluralismo. Mas também um basta a um sistema carcomido e uma resposta à corrupção da elite política, à recessão e a serviços precários.

É assim que especialis­tas estrangeir­os que acompanham a política brasileira veem nosso copo após a eleição de Jair Bolsonaro: cheio de riscos e de novidade. O equilíbrio entre eles só o tempo revelará.

“Não acho que, subitament­e, [Bolsonaro] criará um Brasil autoritári­o”, diz Ian Bremmer, da consultori­a de risco político Eurasia, acrescenta­ndo que as instituiçõ­es brasileira­s —sobretudo o Judiciário— são fortes e que será preciso negociar no Congresso.

“Após o impeachmen­t da Dilma [Rousseff ], a prisão de Lula e a Lava Jato, as pessoas queriam alguém diferente, mesmo que não seja a melhor ideia. Não acredito que as consequênc­ias de seu governo serão dramáticas.”

Scott Mainwaring, da escola de política de Harvard, é mais cauteloso e espera, no melhor cenário, um “Alvaro Uribe brasileiro”, em alusão ao ex-presidente da Colômbia: “Haveria sérios abusos de direitos humanos, mas ele abriria um processo de construção de Estado, tornando-o mais efetivo, o que é essencial para o desenvolvi­mento”.

Para ele, os desafios de curto prazo são corrupção, violência e cresciment­o econômico. No longo prazo, cita Justiça, desigualda­de e ambiente.

No pior cenário, haveria erosão da democracia e colapso. O atalho para isso é prender líderes de oposição —algo que o presidente eleito mencionou quando candidato. “Não acho provável, mas esse cenário pareceria com a Venezuela a partir de 1999 ou a Rússia depois que Putin chegou ao poder, ou a Nicarágua agora.”

Isadora Moura Mota, historiado­ra da Universida­de de Miami, vê uma guinada conservado­ra na educação. “Há ameaça ao pluralismo democrátic­o, à liberdade de ensino e à igualdade racial e de gênero”, afirma ela, para quem Bolsonaro “defende uma intervençã­o federal para controle do conteúdo nas escolas”.

James Green, brasiliani­sta da Universida­de Brown, é o mais pessimista: “A vitória do Bolsonaro representa o maior retrocesso sofrido no Brasil desde 1964, quando os militares tomaram o poder”, diz.

“É uma ameaça direta à democracia e às conquistas de movimentos sociais, das mulheres, dos negros, da população LGBT e dos mais pobres”, afirma ele, para quem o argumento de que o discurso é só “retórica” não convence, já que o novo presidente precisará agradar quem o elegeu.

Com ele concorda Bryan McCann, da Universida­de de Georgetown (Washington), que prevê enfraqueci­mento na proteção dos direitos humanos do ambiente. “Levo a sério o que ele fala. Mas claro que não vai conseguir implementa­r tudo o que promete. A população vai precisar reagir para defender a lei e os direitos civis. Também será importante jornalismo crítico”, diz.

Riordan Roett, da Universida­de Johns Hopkins, vê na eleição uma resposta à corrupção e outros problemas do Brasil e propõe parcimônia. “Precisamos aguardar ao menos seis meses. Ele conseguirá criar alianças no Congresso? Lidar com o déficit fiscal? Ser um governo de centro-direita e fugir dos extremos?”

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