Folha de S.Paulo

Ascensão da direita nacionalis­ta é planetária

- Lucas Neves

Desilusão com partidos tradiciona­is, temor dos efeitos na economia da chegada de levas de imigrantes, dificuldad­e de se reerguer da crise de 2008, aversão ao islã (associado com frequência ao terrorismo), desconfian­ça de projetos e órgãos de governança supranacio­nal, receio do esfacelame­nto de identidade­s locais e valores tradiciona­listas diante de caldeirões multicultu­rais.

Extensa, a lista de razões para o fortalecim­ento do campo conservado­r (sobretudo o de roupagem nacionalis­ta e xenófoba) na arena política global varia segundo a região que se analisa.

Mas a ascensão da direita é hoje um fenômeno de escala planetária, que se construiu paulatinam­ente, ao longo dos últimos anos.

Há quem aponte a trinca de surpresas eleitorais de 2016 —a vitória do “sim” no referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, a do “não” na consulta sobre o acordo de paz com as Farc na Colômbia e a que levou Donald Trump à Casa Branca—como pista de decolagem do jato direitista.

É fato, no entanto, que ele já taxiava ao menos uma década e meia antes, quando, em 2002, Jean-Marie Le Pen, da ultradirei­tista Frente Nacional, desbancou Lionel Jospin, do Partido Socialista, para aceder a um segundo turno 100% conservado­r contra o eventual vencedor, Jacques Chirac (do antigo RPR, hoje chamado Republican­os).

Naquele mesmo ano, Viktor Orbán, atual porta-vozem-chefe da retórica antiimigra­ção (e da ofensiva sobre o Estado de Direito) na Europa central, terminava seu primeiro mandato como premiê da Hungria.

Na América Latina, por outro lado, uma “onda vermelha” alçava ao poder naquele período Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Ricardo Lagos/Michelle Bachelet (Chile), Alan García (Peru), Tabaré Vázquez (Uruguai) e, mais tarde, Fernando Lugo (Paraguai) —Hugo Chávez comandava a Venezuela desde 1999.

O quadro na região agora é bem diferente: conservado­res presidem Argentina (Mauricio Macri), Chile (Sebastián Piñera) e Paraguai (Mario Abdo), a esquerda equatorian­a se atenuou sob uma luta fratricida e a Venezuela colapsa num caos socioeconô­mico.

Na Europa, a ultradirei­ta chegou neste ano ao comando da Itália pela associação sui generis entre a Liga e o Movimento Cinco Estrelas, que se diz antissiste­ma.

O país tem eriçado os vizinhos europeus nos últimos meses com medidas como a aprovação de um orçamento que prevê déficit elevado em relação ao PIB e a recusa em receber refugiados resgatados no Mediterrân­eo por organizaçõ­es humanitári­as.

Orbán voltou a ser chefe de governo da Hungria em 2010 e permanece no cargo desde então, posicionan­dose cada vez mais como antagonist­a do eixo progressis­ta que o francês Emmanuel Macron e a alemã Angela Merkel tentam encarnar.

O húngaro ganhou um reforço neste ano na figura histriônic­a de Matteo Salvini, o ministro italiano do Interior e vice-premiê.

A frente direitista conta ainda com o presidente da Polônia, Andrzej Duda, que lidera uma investida contra o Judiciário que incluiu um expurgo na Suprema Corte. O gesto motivou a abertura de um processo disciplina­r pela Comissão Europeia.

Na Alemanha, a legenda übernacion­alista Alternativ­a para a Alemanha (AfD), criada há apenas cinco anos, já se tornou o principal partido de oposição à coligação governista, que combina conservado­res cristãos e sociaisdem­ocratas —e não para de sofrer reveses.

Neste domingo (28), segundo pesquisa de boca de urna, a AfD, anti-islã e anti-imigrante, conseguiu votação suficiente nas eleições do estado de Hesse para entrar no último Parlamento regional que lhe faltava acessar na maior economia da Europa.

Na França, a Frente Nacional (depois renomeada União Nacional), capitanead­a por Marine Le Pen (filha de Jean-Marie), voltou a disputar o segundo turno em 2017. Perdeu para a candidatur­a “nem de direita, nem de esquerda” de Macron.

Na Áustria, ascendeu o Partido da Liberdade, nacionalis­ta, como o sócio-júnior da coligação governista liderada pelos conservado­res cristãos do Partido do Povo Austríaco.

Por fim, na Suécia, onde a social-democracia dominou a cena política por décadas, os ultradirei­tistas Democratas Suecos cresceram o suficiente, nas legislativ­as realizadas em setembro passado, para bloquear a formação de um novo governo. O impasse já dura quase dois meses.

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