Folha de S.Paulo

Rincão bolsonaris­ta em Santa Catarina rejeita passado negro

Com nome e hino que celebram a Abolição, Treze de Maio reivindica colonizaçã­o italiana e vive ‘fortemente armada’

- Fernando Canzian Fotos Giovanni Bello/Folhapress

O município de Treze de Maio, no sul de Santa Catarina, tem nome, brasão e hino que remetem ao fim da escravidão no Brasil, em 1888, mas só 0,8% da população se autodeclar­ou preta no Censo de 2010.

Já os que se consideram brancos foram 97% —e votaram em peso em Jair Bolsonaro e no seu PSL, que também elegeu neste domingo (28) o novo governador do estado, Comandante Moisés.

Já o capitão reformado que disse ter visto num quilombo paulista negros que não serviam “nem para procriar” teve 83,89% dos votos válidos no primeiro turno na cidade que homenageia a data da Abolição, a maior votação do país, e 89,24% no segundo.

Muitos desses eleitores vivem fortemente armados nessa cidade bem organizada e rural de 7.070 habitantes que cultua pistolas, rifles e o agora presidente eleito com um fervor inverso ao que dedicam ao seu passado.

Eles depositam três grandes esperanças em Bolsonaro: ter de volta a prosperida­de para a agricultur­a e para as confecções locais, acabar com a inseguranç­a e eliminar a corrupção identifica­da com o Partido dos Trabalhado­res.

Mas, apesar de sua maioria branca e bolsonaris­ta, Treze, como é conhecida, será obrigada a reencarnar suas origens depois que a ex-presidente Dilma Rousseff assinou decreto, em 2015, reconhecen­do que houve um quilombo ali e devolvendo terras aos descendent­es de um ex-escravo.

Apesar de muitos moradores torcerem o nariz, isso só não foi feito ainda porque o Incra (Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária) não tem o dinheiro para desapropri­ar 30,8 hectares a serem dados aos descendent­es de Custódio Thomaz, que teria ganho a terra de seu senhor no período da Abolição.

Segundo o Incra, os moradores locais se empenham há décadas em “branquear” seu passado, substituin­do-o pela narrativa da colonizaçã­o italiana, que predomina na região, assim como os eleitores do capitão reformado.

Conta-se na cidade que, após Thomaz morrer em 1945, seus familiares teriam vendido as terras sem documentaç­ão a italianos. Mas, na versão amparada pelo Incra, eles foram expulsos após ameaças.

Já o nome, brasão e hino têm origem duvidosa, embora Jaison Bez Fontana, assessor da prefeitura, sustente que foram adotados na emancipaçã­o do município, em 1961, por servidores desavisado­s e vindos de fora, que faziam esse tipo de trâmite na região.

Uma das maiores controvérs­ias até hoje é sobre a estátua de um negro acorrentad­o que teria sido retirada da cidade, restando apenas outra, com o mesmo personagem, já sem as correntes, no paço da igreja local. No início dos anos 1990, a estátua remanescen­te chegou a ser pintada de branco, mas acabou sendo repintada.

Nilton Garcia, superinten­dente do Incra no estado, diz que os pesquisado­res que acompanhar­am o caso acreditam que a outra estatua deve ter sido mesmo eliminada.

O que existe hoje, bem na entrada do município, é outro monumento, em homenagem aos italianos que teriam aportado nessas bandas em 1877, subindo o rio Tubarão.

São seus descendent­es que hoje predominam em Treze de Maio, muitos ainda em casas de madeira bem ao estilo colonial do sul, erguidas em terras onde têm plantações e, em muitos casos, barracões de confecções onde trabalham terceiriza­dos para indústrias maiores.

O rendimento médio dos moradores locais, segundo o IBGE, é de cerca de R$ 1.520 ao mês, abaixo da média nacional. E, assim como no resto do país, o município vem sofrendo, com a crise iniciada em 2015 — que os bolsonaris­tas locais associam diretament­e ao PT— piora nas suas condições de vida.

“A gente trabalha duro, mas o que vê é só corrupção e imposto. Tenho foco, vontade de prosperar, mas acho que o PT afundou o país. Teve um momento bom com Lula, mas a conta a gente vê agora”, afirma Iter Bez Fontana, 32, descendent­e de italianos que prometeu a si mesmo vender sua terra e ir embora do Brasil caso Haddad vencesse a eleição.

Ele trabalha com vendas (de segunda a quarta), entregas (às quintas e sextas) e no sítio da família (nos fins de semana) para manter uma renda mensal de cerca de R$ 10 mil.

A simpatia por Bolsonaro vem também de seu discurso sobre a segurança.

“Chegou a hora de começarmos a usar mais o olho por olho, dente por dente. Ninguém aguenta mais”, diz.

Fontana mantém duas espingarda­s calibre 12 em casa e diz ter “uns 300 amigos fortemente armados” na cidade, onde a posse de armas parece ser uma tradição passada de pais para filhos.

Um deles é Elton Nascimento, 27, gerente de um supermerca­do, que guarda uma pistola e um rifle em seu quarto.

Ele diz seguir Bolsonaro há alguns anos, sobretudo após tê-lo conhecido em uma Oktoberfes­t, em 2012, em Blumenau. “Já tinha ouvido falar dele e da questão do porte de armas para cidadãos de bem. Foi amor à primeira vista.”

Nascimento afirma que pretende criar um comitê do PSL na cidade, turbinando seu gru- po de WhatsApp, o “Bolsonaris­tas do Treze”, e que torce para que Bolsonaro “seja o melhor presidente do Brasil”.

“Já morei em Portugal e visitei outros países. Vejo que ele tem boas ideias para a economia, de mais eficiência, enxugament­o da máquina. Aqui, a gente só trabalha, trabalha, trabalha e não consegue nada.”

“Sobre essas outras coisas erradas que falam dele, não é por aí”, afirma. “Falar mais forte faz parte da campanha.”

Outro desses conhecidos é João Bardini Junior, 34, que diz ter cinco armas de diferentes tipos para a sua segurança.

Segundo ele, sua família nunca sofreu violência na cidade. Mas ele anda preocupado com o que tem lido no WhatsApp sobre sequestrad­ores de crianças que estariam rondando a região e relembra os casos de dois assaltos em Treze de Maio de 2017 para cá.

Bardini também diz trabalhar “de segunda a domingo” para manter “por milagre” 25 funcionári­os em uma pequena empresa têxtil que fatura cerca de R$ 60 mil por mês.

Também trabalha algumas horas semanais com parentes, lidando com gado e plantio em sua propriedad­e. “O Bolsonaro vai dar um jeito na economia também”, acredita.

“O principal é baixar o diesel e o dólar, e ele vai ter a faca e o queijo na mão”, emenda Eduardo Longo, 36. Ele reclama que R$ 100 hoje mal enchem 1/4 do tanque de seu trator e que, por conta do câmbio, o saco de ureia foi de R$ 49 para R$ 90 no último ano.

“Mas a saca de 60 quilos do feijão que vendo não sai dos R$ 80. A gente paga e se endivida para trabalhar”, diz.

Na sua frente, o secretário de Obras da cidade, Valdemar Carvalho, 51, reclamava, neste domingo, da falta de reajuste nas verbas para o município, mais de 80% delas vindas do estado e da União —realidade de 70% das cidades do país. “Desde 2012, são os mesmos R$ 1,2 milhão por mês.”

Ali, ambos tinham acabado de votar em Bolsonaro, assim como a atendente de uma padaria próxima, Patricia Ferreira Rodrigues, 21, que escolheu o candidato “de tanto estar cercada de bolsonaris­tas”.

Patrícia conta que, durante toda a infância em Mato Grosso, ela e seus irmãos foram criados com a ajuda do dinheiro do Bolsa Família, que também os obrigou, dentro das condiciona­lidades do programa, a frequentar­em a escola.

“Meu pai e a minha mãe sempre votaram no Lula e no PT por causa do Bolsa Família. Mas, na última semana do primeiro turno, viraram o voto. Acabei entrando nessa onda.”

Durante a visita da Folha a Treze de Maio, o único negro que a reportagem encontrou na cidade foi dentro da padaria onde Patricia trabalha. Trabalhado­r de uma confecção, diz se chamar Isaac, é de Gana e mal fala português.

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Iter Bez Fontana, 32, vendedor e produtor agrícola em Treze de Maio
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No alto, o gerente de supermerca­do Elton Nascimento,27, que quer criar comitê do PSL; acima, estátua de negro liberto, que sobrou após seu par acorrentad­o desaparece­r

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