Folha de S.Paulo

Novatos e baixo clero

Bolsonaro diz que governará sem os métodos da velha política

- Bruno Carazza Doutor em Direito e mestre em Economia, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder” e do blog “O E$pírito das Leis”

Fechadas as urnas do segundo turno, é hora de olhar para a frente. Concordemo­s com o resultado ou não, a vontade da maioria dos eleitores deve ser respeitada e cabe a todos nós monitorar cada passo do novo presidente, dos senadores, dos deputados federais e dos governador­es dos estados.

A democracia não se realiza apenas no momento da votação. Ela deve ser encarada como um exercício diário de fiscalizaç­ão de quem exerce o poder. O que esperar, então, deste governo Bolsonaro que se descortina diante de nós? Passado o calor da eleição, como se comportará o novo presidente frente a um Congresso renovado?

Eu arrisco dizer que se trata de um governo dominado por novatos e inexperien­tes, pouco habituados ao pesado jogo político nacional.

Para começo de conversa, Bolsonaro é, ele próprio, virgem em matéria administra­tiva — afinal, nunca ocupou um cargo no Executivo ao longo de sua vida pública. No Legislativ­o, apesar de exercer sete mandatos consecutiv­os como deputado federal, sempre atuou nas franjas do sistema, sem ocupar cargos de liderança ou exercer o comando de comissões importante­s. Ele tampouco relatou ou aprovou matérias relevantes para o país. Sempre foi um parlamenta­r do chamado baixo clero.

Apesar de sua bem-sucedida carreira no mercado financeiro, Paulo Guedes— escolhido para comandar a economia—não tem passagens anteriores pelo governo.

Onix Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, nunca foi membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e os postos mais altos que ocupou no Parlamento foram a liderança do DEM em 2007 e a presidênci­a da Comissão de Agricultur­a e Pecuária em 2008. É muito pouco para quem terá a missão de comandar as relações entre Executivo e Legislativ­o no próximo governo.

Além disso, a ideia de nomear membros das Forças Armadas para postos chave no ministério e nas estatais indica que Bolsonaro não pretende contar com tecnocrata­s ou políticos experiente­s na condução do dia-a-dia do governo.

Alguns veem isso uma inovação em relação ao passado. Outros enxergam riscos à frente. A aposta numa completa reformulaç­ão da estrutura administra­tiva do governo (reduzindo os 29 ministério­s atuais para 15) sendo comandada porministr­osinexperi­entespode imputar ao governo Bolsonaro uma paralisia, que seria fatal diante dos imensos desafios impostos pela grave crise fiscal que atravessam­os.

É óbvio que, com o apoio do Centrão, Bolsonaro deve conseguir uma boa base de apoio no Congresso, além de gozar de ampla popularida­de que lhe garantirão aquela tradiciona­l lua de mel de início de governo.

A grande questão é saber como ele se comportará quando essa fase passar. Dará poder cada vez maior aos novatos do PSL e a membros arrebanhad­os nas bancadas ruralista, evangélica e da segurança pública? Vai recorrer aos grandes caciques que sobreviver­am à guilhotina popular (Renan, Rodrigo Maia, Jader Barbalho, Aécio Neves)? Ou exercerá um governo plebiscitá­rio, fazendo ligação direta com a população, contando como o trunfo de ter as Forças Armadas consigo?

Bolsonaro recebeu a maioria dos votos dos brasileiro­s que buscam uma nova forma de fazer política e anuncia que vai governar sem os métodos e representa­ntes da velha política. O futuro é incerto e precisamos ficar de olho.

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