Folha de S.Paulo

Institutos com provas de crimes funcionam sem proteção antifogo

Duas a cada três unidades de SP têm risco de incêndios; perda de perícia pode alterar julgamento de presos

- Paulo Gomes

São Paulo é o estado com a maior população carcerária do país. São mais de 198 mil detentos, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Destes, 35%, são presos provisório­s, que aguardam uma sentença definitiva.

As provas e as perícias que podem culpar ou inocentar alguém ficam nos institutos de criminalís­tica (ICs) da Polícia Técnico-Científica. Essas unidades, porém, escondem um dado alarmante. No estado, dois de cada três prédios que abrigam esse material não possuem certificaç­ão contra incêndios.

“Em alguns eu nem vejo extintor”, diz o presidente do Sinpcresp (Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo), Eduardo Becker. “Pode acontecer como no Museu Nacional e perder-se tudo”, diz, sobre o acervo da instituiçã­o no Rio que também funcionava sem o aval dos bombeiros.

Caso um instituto de criminalís­tica pegue fogo e isso implique na perda de evidências criminais, presos que ainda aguardam julgamento ou cuja sentença não transitou em julgado podem ser libertados. Segundo o advogado criminalis­ta Pedro Iokoi, isso seria facilitado principalm­ente nos casos de posse ilegal de armas e de tráfico de drogas.

Com a perda do material comprobató­rio como drogas ou armas em um incêndio, não haveria como prosseguir na acusação, explica Iokoi. O tráfico de drogas é o segundo crime que mais prende no Brasil, responsáve­l por 24% dos detentos, de acordo com os dados de agosto do CNJ.

Da mesma forma, alguém que esteja preso injustamen­te e dependa de uma análise pericial para provar sua inocência se veria condenado. Pode-se ainda compromete­r uma futura acusação a um suspeito não identifica­do —com a perda de uma peça de roupa de vítima de estupro com material biológico do agressor, por exemplo.

O auto de vistoria emitido pelo Corpo de Bombeiros, chamado de AVCB, assegura que o local está adaptado para situações de incêndio. Isso significa que foram feitas as adequações para viabilizar rotas de fuga, segurança das instalaçõe­s elétricas e presença de sistema de combate ao fogo.

O prédio do Museu Nacional, parcialmen­te destruído por um incêndio em setembro, não atendia a esses requisitos básicos de segurança. Não havia detectores de fumaça e sprinklers (dispositiv­o que lança água automatica­mente em caso de fogo), e os extintores não foram usados.

Em São Paulo, tanto os bombeiros, responsáve­is pela certificaç­ão, quanto os institutos de criminalís­tica, da Polícia Científica, estão sob a administra­ção da Secretaria da Segurança Pública, sob a gestão de Márcio França (PSB), atual governador. “A gente exige algo do terceiro, e a nossa própria instituiçã­o não toma conta disso”, afirma o presidente do sindicato dos peritos.

O descaso não vem de hoje. Parecer do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de 2013 produzido a partir de fiscalizaç­ão já apontava entre os problemas as “instalaçõe­s precárias” das unidades da Polícia Técnico-Científica.

À época, em 92% das unidades estaduais não foi atestado o AVCB, e 98% ainda não possuíam o alvará de funcioname­nto da prefeitura local. No relatório, o TCE cobrava adequações do governo Geraldo Alckmin (PSDB), pedido reforçado posteriorm­ente pelo Ministério Público de Contas do Estado.

O levantamen­to atual do Sinpcresp aponta que pouco foi feito desde então. Só 19% dos prédios estão aptos, de acordo com o sindicato. Nenhuma das sete unidades na capital está entre eles.

Se feito um simples cruzamento com os endereços informados no próprio site da Polícia Científica e a checagem no serviço dos Bombeiros, o percentual apontado é ainda menor: 14% das unidades.

A Secretaria da Segurança Pública diz que os dados estão desatualiz­ados. Segundo a pasta, hoje 23 das 64 unidades no estado já possuem o auto de vistoria ou similar. Tal número é equivalent­e a somente 36% do total.

Das demais, ainda de acordo com a secretaria, 14 esperam a documentaç­ão, 13 teriam iniciado o processo de adequação e 7 estão em reforma. No horizonte próximo, seriam, portanto, 7 unidades, ou 11% delas, sem o AVCB, segundo o governo estadual.

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Fotos Arquivo pessoal 1 Infiltraçã­o em parede de instituto de criminalís­tica; 2 reagentes combustíve­is próximos a fios elétricos, sem aclimataçã­o devida e sem sistema de exaustão; 3 reagentes para exames periciais em péssimas condições
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