Folha de S.Paulo

Brasileira­s veem preconceit­o de conterrâne­os em pleito nos EUA

- Júlia Zaremba

Em novembro de 2017, a pedagoga Margareth Shepard, 60, tornou-se a primeira brasileira a conquistar um cargo eletivo nos EUA, na Câmara da cidade de Framingham, em Massachuse­tts, marco que abriu caminho para um maior engajament­o de brasileiro­s nas eleições americanas.

Quase um ano depois, a onda capitanead­a por Shepard está crescendo: outras brasileira­s esperam conquistar uma vaga no pleito legislativ­o de 6 de novembro.

Uma delas é a advogada de imigração Renata Castro, 35, de Margate, na Flórida, que concorre pela segunda vez à vaga de vereadora. “Em meio à divisão política nos EUA, faltam vozes que unifiquem os imigrantes”, afirma.

Original de São Gonçalo, na região metropolit­ana do Rio de Janeiro, Castro chegou há 16 anos aos EUA, onde já trabalhou na limpeza de casas e na área da construção civil.

Como mulher e latina, conta que foi alvo de alguns ataques em redes sociais durante a campanha. Um dos detratores insinuou que seria deportada, segundo ela. “Você é julgada a todo momento.”

Mas o que mais chamou a sua atenção foi o desdém e a desconfian­ça de alguns brasileiro­s em relação à sua candidatur­a. “Eles estão acostumado­s com a realidade do Brasil e não acreditam que alguém vá se envolver na política se não for para conseguir algum benefício próprio”, diz.

Em Pompano Beach, a corretora de imóveis Luciene Gomes, 53, de Curitiba, também disputa uma vaga na Câmara local. Há mais de 20 anos nos EUA, é a primeira vez que concorre.

A campanha foi suada. Enquanto concorrent­es arrecadara­m mais de US$ 20 mil (mais de R$ 73 mil), ela só conseguiu levantar cerca de US$ 1.000 (cerca de R$ 3.675). “Não houve extravagân­cia. Tive de bater de porta em porta sob um calor de 40ºC.”

Mobilizar a comunidade de expatriado­s para participar do processo eleitoral americano ainda é um desafio.

Segundo o Itamaraty, cerca de 1.490.000 brasileiro­s vivem nos EUA. A maior parte deles se concentra nos arredores de Boston (350 mil), Miami (300 mil) e Nova York (290 mil).

Para que possam votar nas eleições, ou se candidatar, precisam ter cidadania americana, o que não impede que participem do processo eleitoral de seu país de origem. Segundo dados do Departamen­to de Segurança Nacional, nos anos fiscais de 2015, 2016 e 2017, 30.485 brasileiro­s se naturaliza­ram americanos.

Um dos esforços para incentivar a ida de compatriot­as às urnas foi liderado por Shepard, que fez uma cartilha para explicar o bê-a-bá do processo eleitoral americano.

O guia mostra os cargos em jogo, como são as cédulas de votação (a maioria dos estados não usa urna eletrônica) e a descrição dos candidatos.

A vereadora também é uma das organizado­ras de uma página em uma rede social intitulada “Brazilians for Political Education”, cujo propósito é conectar os brasileiro­s ao processo político americano.

“Temos de libertar o brasileiro da mentalidad­e política do Brasil”, afirma Stephanie Martins, 30, uma das administra­doras da página.

Ela se candidatou a vereadora por Everett, em Massachuse­tts, no ano passado, mas perdeu. Conta que alguns disseram que não votariam nela porque “traria para os EUA o jeito de fazer política brasileiro”, em uma referência à corrupção.

Para Shepard, a falta de envolvimen­to de brasileiro­s nas eleições americanas está relacionad­a à falta de conhecimen­to sobre o processo eleitoral e de uma formação política. “A comunidade só começará a ter poder quando estiver organizada”, diz.

As mulheres, junto com outros moradores de Massachuse­tts, se envolveram na campanha de alguns candidatos que defendem imigrantes e estrangeir­os. Organizara­m, por exemplo, um churrasco para arrecadar fundos para o senador Jamie Eldridge em Marlboroug­h, no mesmo estado.

Algumas das demandas de brasileiro­s da região são a emissão de carteira de motorista para imigrantes, o fim de cortes ao programa de saúde que serviu de inspiração para o Obamacare, o MassHealth, e escolas bilíngues.

“A política aqui é muito menos burocratiz­ada”, diz Heloísa Galvão, diretora do Grupo Mulher Brasileira, com base em Boston. “No Brasil, a gente não faz muitas ligações para cobrar ações de vereadores e deputados, mas, aqui, existe essa cultura.”

Em Nova York, outra iniciativa busca aumentar o engajament­o de brasileiro­s nas eleições. O jornalista Marco da Costa, 53, há mais de 20 anos longe do Brasil, conta que está envolvido em um projeto de mapeamento de cargos públicos disponívei­s no estado para estimular a candidatur­a de latinos. “Daqui a alguns anos, teremos muitas Margareths ocupando cargos no país. Assim, vamos começar a nos posicionar mais”, afirma.

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Divulgação Renata Castro (centro), candidata a vereadora em Margate, na Flórida, faz campanha com familiares

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