Folha de S.Paulo

“Midterms”, a Outra Eleição

Legislativ­as de 6 de novembro definirão o rumo dos EUA nos próximos dois anos

- Mathias Alencastro Doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) e pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to

Manchada pelas ameaças de atentado contra políticos e pelo ataque a uma sinagoga que causou 11 mortos, a campanha para as eleições legislativ­as de meio mandato, localmente apelidadas de “midterms”, revela a tensão que paira sobre a sociedade americana.

Muito mais do que uma mera disputa por algumas cadeiras no Congresso, a eleição tem o poder de definir o rumo do país nos próximos dois anos.

Uma eventual mudança na relação de forças na Câmara e no Senado, atualmente sob controle dos republican­os, pode levar a uma derrocada do atual governo.

Embalados pela vitória, os democratas teriam novos meios institucio­nais para apoiar as investigaç­ões sobre a colusão entre agentes russos e a equipe de Donald Trump durante a campanha de 2016.

O processo pode, em tese, culminar em um pedido de impeachmen­t.

Trump, porém, chega ao pleito em posição de força. A inquestion­ável popularida­de da presidente deriva da bonança econômica lançada pelo seu predecesso­r Barack Obama e prolongada pela sua vasta reforma fiscal do ano passado.

A recente indicação do novo juiz da Suprema Corte, Brett Kavanaugh, consolidou o seu apoio entre o eleitorado mais conservado­r.

As “midterms” também permitirão avaliar as chances dos democratas na próxima eleição presidenci­al.

Desmobiliz­ados por Obama, que nunca se mostrou interessad­o pelo jogo sucessório, e intimidado­s por Hillary Clinton, uma nova geração aproveitou o cenário pós-eleitoral de terra arrasada para assumir as rédeas do partido.

Muita visibilida­de tem sido acordada aos novos representa­ntes da ala mais à esquerda dos democratas, apadrinhad­a por Bernie Sanders, que podem surpreende­r em estados acostumado­s a eleger governador­es e senadores conservado­res, como o Texas ou a Flórida.

Um sinal de que as novas dinâmicas geográfica­s, como a migração de jovens dos litorais do Atlântico e do Pacífico em busca de uma melhor qualidade de vida nas regiões centrais, estão gradualmen­te transforma­ndo o mapa eleitoral.

Isto posto, é importante ressaltar que a renovação do partido também tem sido conduzida por políticos próximos do centro.

Não por acaso, uma das suas principais referência­s, o antigo vice-presidente Joe Biden, continua sendo citado como um presidenci­ável.

O que realmente caracteriz­a o Partido Democrata na era Trump é a capacidade de romper com a hegemonia centraliza­dora dos anos Clinton e dar protagonis­mo equivalent­e a representa­ntes de diferentes ideologias do campo progressis­ta.

Uma derrota nas “midterms” provavelme­nte levaria a um encerramen­to dessa interessan­te experiênci­a de renovação política.

Um eventual bom desempenho dos democratas pode reforçar, em vez de atenuar, a agenda conservado­ra da política externa.

Sem o controle do Congresso, Trump deve dobrar a aposta nas relações internacio­nais, área onde tem poderes quase imperiais, para manter a sua base mobilizada.

Exausta, a comunidade internacio­nal deve se preparar para mais atitudes polêmicas por parte de Trump nos próximos anos.

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