Folha de S.Paulo

Mostra de Lasar Segall evidencia obras raramente vistas pelo grande público

Transforma­ções cromáticas da carreira do modernista lituano dão o tom a recém-inaugurada exposição no Sesc 24 de Maio

- Gabriela Longman

Pintor lituano formado dentro do expression­ismo alemão, Lasar Segall desembarco­u no Brasil em 1924 para se tornar um dos nomes mais importante­s do primeiro modernismo.

Sem abandonar os princípios europeus que o formaram, desenvolve­u uma trajetória em que temas e tipos brasileiro­s convivem com questões de ordem universal, como angústia, migrações e destruição, num percurso marcado pelo impacto das duas guerras mundiais.

É um pouco dessa conversa entre Brasil e Europa, local e universal, que o Sesc 24 de Maio apresenta, com uma reunião de 87 pinturas e seis desenhos, além de fotos e documentos. Quando o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, autor do edifício do Sesc, comemora 90 anos, seu filho Pedro assina uma expografia que divide a mostra em quatro grandes blocos, pensados como quarteirõe­s de uma cidade. A herança moderna está em festa.

Voltando a Segall: modernista da chamada fase heroica, ao lado de Anita e Tarsila, ele foi um dos responsáve­is por transforma­r a cena paulista, rompendo com o naturalism­o e a tradição acadêmica.

Dez anos depois da última grande exposição do pintor (no Centro Cultural Fiesp, com curadoria de Tadeu Chiarelli), a curadora Maria Alice Milliet desenvolve­u uma retrospect­iva em que o uso da cor está no foco de atenção. São as transforma­ções cromáticas ao longo da trajetória de Segall e seu caráter fortemente emocional que a levaram aos quatro núcleos que compõem a mostra.

“Com a vinda ao Brasil, Lasar Segall sofre o impacto do sol, da luz tropical que aquece sua pintura”, explica Milliet. Para ela, os deslocamen­tos populacion­ais retratados pelo artista nos anos 1940 conversam diretament­e com a atualidade do centro em sua diversidad­e e convivênci­a de imigrantes coreanos, africanos, bolivianos e paraguaios.

“A atualidade, infelizmen­te, mora também nas cenas de populações sem rosto, vítimas de perseguiçã­o, intolerânc­ia e de regimes totalitári­os”, completa a curadora.

Preocupada em criar uma narrativa acessível ao público de mais de 10 mil pessoas que circulam por dia pelo Sesc, Milliet encomendou um vídeo, projetado em grandes dimensões na parede, que detalha em alta resolução os esquemas cromáticos utilizados pelo pintor.

Se a pintura requer um tempo mais distendido de contemplaç­ão, o vídeo, para ela, é a mídia “de hoje” que garante uma empatia mais imediata.

Desenvolvi­da em parceria com o Museu Lasar Segall, a mostra conta com boa parte do acervo da instituiçã­o, mas também com pinturas de coleções particular­es raramente expostas ao público. Desde que Segall se tornou um dos nomes mais valorizado­s do mercado de arte, seus colecionad­ores costumam guardar o tesouro a sete chaves.

Ao longo da exposição estão ainda pinturas pinçadas a dedo de outros modernista­s —Portinari, Anita, Tarsila—, que ajudam a mostrar os diálogos estabeleci­dos na época.

Entre as obras mais delicadas está a série de desenhos de cenários, com fantasias e elementos decorativo­s que desenvolve­u para os bailes de Carnaval da Sociedade Pró-Arte Moderna, entidade que congregou boa parte dos modernista­s a partir de 1932.

Vale prestar atenção ainda na delicadeza dos troncos de árvores que Segall pintou já no final da vida —florestas de cores suaves que o aproximam ainda que brevemente da abstração. Encarar a realidade (da pobreza, da guerra, da injustiça) ou escapar dela (pela festa, pelo sonho, pela natureza) é afinal um dos grandes dilemas da arte, para não dizer da vida. Segall fez os dois.

Lasar Segall: Ensaio sobre a Cor

Sesc 24 de Maio ( r. 24 de Maio, 109, tel. 11-3350-6256). Até 5/3/19. Grátis

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‘Bananal’, tela de 1927 de Lasar Segall, pintor modernista formado no expression­ismo alemão que desembarco­u no Brasil em 1924

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