Folha de S.Paulo

‘Esse jornal se acabou’, afirma eleito sobre a Folha

Eleito erra em versão sobre funcionári­a e esquema no WhatsApp, casos revelados pelo jornal

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Jair Bolsonaro voltou a ameaçar a Folha. Ao Jornal Nacional afirmou que, “por si só, esse jornal se acabou”. O presidente eleito chamou de mentirosa reportagem de janeiro sobre uma funcionári­a fantasma de seu gabinete na Câmara, que vendia açaí em Angra dos Reis (RJ).

Após nova reportagem, em agosto, constatar que a servidora continuava longe do trabalho em Brasília, o deputado a exonerou.

Durante entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, nesta segunda-feira (29), Jair Bolsonaro (PSL) voltou a atacar a Folha e afirmou que “por si só, esse jornal se acabou”.

As afirmações de Bolsonaro se deram em resposta a uma pergunta do jornalista William Bonner, apresentad­or e editor-chefe do Jornal Nacional.

Bonner questionou: “O senhor sempre se declara um defensor da liberdade de imprensa, mas, em determinad­os momentos, chegou a desejar que um jornal deixasse de existir. Vai continuar defendendo a liberdade de imprensa [enquanto presidente]?”.

“[Sou] totalmente favorável à liberdade de imprensa”, respondeu Bolsonaro, “mas temos a questão da propaganda oficial de governo, que é outra coisa”, completou.

Em seguida, o presidente eleito citou o caso de Walderice dos Santos da Conceição, a Wal, ex-assessora dele na Câmara dos Deputados que vendia açaí e prestava serviços particular­es ao deputado federal em Angra dos Reis (RJ), onde ele tem casa de veraneio.

“Aproveito o momento para fazer justiça no Brasil. Tem uma senhora de nome Walderice, uma mulher negra que tinha uma lojinha de açaí. O jornal Folha de S.Paulo foi lá e rotulou de forma injusta como ‘fantasma’. Ela estava de férias. Ações como essa por parte de uma imprensa que comete injustiça e não volta atrás, não posso considerar essa imprensa digna”, disse.

Bolsonaro prosseguiu: “Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. O presidente eleito, depois, completou: “Por si só esse jornal se acabou”.

Em janeiro deste ano, a Folha revelou que Bolsonaro usava verba da Câmara para pagar Walderice. Ela figurava desde 2003 como funcionári­a do gabinete do deputado federal, recebendo salário de R$ 1,3 mil ao mês, mas vendia açaí em uma barraca vizinha à casa de veraneio dele em Mambucaba.

Walderice pediu demissão do gabinete de Bolsonaro após as reportagen­s da Folha.

Na sequência da entrevista à Globo, Bolsonaro fez nova acusação contra o jornal. “Inclusive teve uma última onde eu teria contratado empresário­s para espalhar mentiras sobre o PT. Mais uma ‘fake news’ do jornal Folha de S.Paulo invariavel­mente”, afirmou.

O presidente eleito disse que a reportagem da Folha o acusa de ter contratado empresas no exterior, por meio de empresário­s, para enviar mensagens anti-PT por aplicativo.

Na verdade, a reportagem publicada no dia 18 de outubro afirma que empresário­s impulsiona­ram disparos por WhatsApp contra o PT.

O pagamento por empresas de ações que beneficiem a campanha de um candidato é proibido pela lei eleitoral.

Após as afirmações de Bolsonaro, Bonner pediu a palavra e fez um comentário.

“Como editor-chefe do Jornal Nacional, eu tenho um testemunho a fazer. Às vezes, eu mesmo achei que críticas que o jornal Folha de S.Paulo tenha feito ao Jornal Nacional me pareceram injustas. Isso aconteceu algumas vezes. Mas para ser justo do lado de cá, eu preciso dizer que o jornal sempre nos abriu a possibilid­ade de apresentar a nossa discordânc­ia, apresentar os nossos argumentos, aquilo que nós entendíamo­s ser a verdade.”

O jornalista prosseguiu: “A Folha é um jornal sério, um jornal que cumpre um papel importantí­ssimo na democracia brasileira. É um papel que a imprensa profission­al brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo da imprensa profission­al brasileira”.

Bolsonaro apenas ouviu e não respondeu nada.

Diferentem­ente do que Bolsonaro afirmou na entrevista, a Folha não mentiu sobre a funcionári­a fantasma de seu gabinete. Desde a primeira reportagem, o agora presidente eleito vem dando diferentes e conflitant­es versões sobre a assessora para tentar negar —todas elas não são condizente­s com a realidade.

Ao Jornal Nacional, Bolsonaro disse que a assessora estava em férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez, em janeiro.

A Folha esteve na Vila Histórica de Mambucaba em duas oportunida­des. A primeira, em janeiro, durante o recesso parlamenta­r, quando ouviu de moradores que Walderice não tinha ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamenta­r e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu. Segundo depoimento­s colhidos da região, o marido dela, Edenilson, era caseiro de Bolsonaro.

Neste dia, a Folha se encontrou com Bolsonaro, por acaso, no local. Ele deu diversas explicaçõe­s sobre Walderice, mas em nenhum momento disse que ela estava de férias —como falou meses depois.

Na segunda oportunida­de, em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara. À reportagem, ela afirmou trabalhar no local todas as tardes.

Minutos depois de a reportagem se identifica­r e deixar a cidade, ela ligou para a Sucursal da Folha em Brasília afirmando que ia se demitir.

A secretária figurou desde 2003 como um dos 14 funciomaté­ria, nários do gabinete de Bolsonaro, em Brasília. Seu último salário bruto foi R$ 1.416,33.

As acusações de Bolsonaro à Folha no JN intensific­aram um movimento espontâneo nas redes sociais para que as pessoas assinem o jornal.

“Amanhã mesmo vou assinar a Folha. Façam isso. Alguém tem que continuar fazendo jornalismo de verdade neste país”, escreveu Priscas [nome do perfil] no Twitter. Outros sugeriam uma campanha para assinar o jornal. “Eu acho que temos que fazer uma campanha para quem puder assinar a Folha”, foi a mensagem de @perdyhowar­d.

Esse movimento está acontecend­o desde o dia 18, quando o jornal publicou reportagem mostrando que empresário­s impulsiona­ram disparos por WhatsApp contra o PT.

Também se manifestou em defesa do jornal o presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin.

“Começou mal. A defesa da liberdade ficou no discurso de ontem”, escreveu no Twitter.

“Os ataques feitos hoje pelo futuro presidente à Folha de S.Paulo representa­m um acinte a toda a imprensa e a ameaça de cooptar veículos de comunicaçã­o pela oferta de dinheiro público é uma ofensa à moralidade e ao jornalismo nacional”, disse o ex-governador de São Paulo.

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Lucas Landau - 2.mai.18/Folhapress Fachada da loja de açaí de funcionári­a de Bolsonaro

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