Folha de S.Paulo

Argentina teme afastament­o do governo brasileiro

Declaração de que aliado histórico e terceiro parceiro deixará de ser prioridade é vista com receio

- Sylvia Colombo e Mariana Carneiro Colaborou Talita Fernandes

O anúncio de que o Chile será o primeiro destino internacio­nal de Bolsonaro e a declaração do futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, de que a Argentina não será prioridade do novo governo, preocupam o país vizinho.

nova york e brasília A Argentina está preocupada com um possível afastament­o do Brasil sob Jair Bolsonaro (PSL), eleito domingo (28).“É uma ruptura do status quo, mas talvez a Argentina já esperasse por isso”, disse à Folha o economista Marcelo Elizondo, especialis­ta em Mercosul.

Nesta segunda, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que deve ser o ministro da Casa Civil de Bolsonaro afirmou que o Chile será o primeiro destino internacio­nal de Bolsonaro, quebrando uma praxe da política externa brasileira segundo a qual a Argentina é o primeiro destino dos presidente­s eleitos no Brasil, seja qual for a coloração ideológica dos governos de turno.

Além disso, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou no domingo que nem Mercosul nem Argentina serão prioridade­s.

“A ideia de a Argentina ser secundária para a economia brasileira choca e está causando grande agitação na Argentina, mas este é o retrato deste momento, é preciso que esperar um pouco mais”, diz Elizondo. “O Brasil é ainda o principal parceiro comercial da Argentina e a Argentina é o terceiro no ranking do comércio exterior brasileiro”.

O economista lembra que o presidente Carlos Menem (1989-1999), em cujo governo se pregava que as relações entre Argentina e EUA deveriam ser “carnais”, disse algo parecido sobre o Brasil quando assumiu, mas que “a realidade acabou se impondo”.

Apesar da crise nos dois países, o Brasil exportou para a Argentina nos primeiros nove meses deste ano, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, US$ 12,3 bilhões —6,83% de suas vendas ao exterior— e importou US$ 8,2 bilhões, com saldo positivo de US$ 4,1 bilhões na balança.

Quase metade do valor exportado vem do setor de veículos, enquanto para o prin- cipal parceiro, China, o país exporta majoritari­amente commoditie­s, e com o segundo, os EUA, tem um deficit de US$ 555 milhões até setembro.

Os dois países coincidem, porém, no desejo de flexibiliz­ar o Mercosul, bloco comercial do qual também são sócios Uruguai e Paraguai (além de Venezuela, por ora suspensa).

Elizondo lembra que, nos últimos anos, desde o impeachmen­t de Dilma Rousseff e com o Brasil em recessão, a Argentina também buscou novos aliados fora.

“É um desejo comum de Brasil, Paraguai, Argentina de que o Mercosul seja mais flexível e que ofereça mais possibilid­ades de se ampliar tratados dos países com parceiros fora do bloco.”

Ouvir de Paulo Guedes que a Argentina não será mais prioridade, porém, produziu efeito negativo no país vizinho.

Em resposta à correspond­ente no Brasil do jornal argentino Clarín, com cuja pergunta se irritou, Guedes disse que “a prioridade é fazer co- mércio com todo o mundo” e que “o Mercosul quando foi feito, se transformo­u em um instrument­o ideológico, em uma prisão cognitiva”.

Houve aparente confusão com outros blocos latinoamer­icanos apoiados pelos governos passados, como a Unasul (dos três sócios no Mercosul, dois têm governos à direita e um, o Uruguai, de centro-esquerda).

A Folha apurou com autoridade­s argentinas que o discurso causou apreensão.

Ainda segundo uma fonte, contudo, a conversa entre Bolsonaro e o presidente Mauricio Macri há duas semanas foi “extremamen­te cordial”, e é necessário esperar que os dois se encontrem para tirar conclusões sobre a relação.

A Argentina está consideran­do convidar Bolsonaro para a reunião do do G20, que recebe nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro próximos, em Buenos Aires. A agenda do eleito seria mantida e, ao mesmo tempo, poderia fazer um aceno ao vizinho.

Apesar da rivalidade histórica entre Chile e Argentina, Macri e o chileno Sebastián Piñera têm jogado junto na política externa e compartilh­am “da mesma visão de mundo, mais liberal e conservado­ra”.

Ambos têm origem empresaria­l, acenam ao mercado externo e ascenderam como opções à esquerda, com uma agenda que prega a eficiência.

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