Folha de S.Paulo

Após emular Olavo de Carvalho, eleito adere a britânico Churchill

- Igor Gielow

Naquilo que pode ser lido como uma tentativa de responder os críticos que o associam a práticas fascistas, o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), parece ter aderido tardiament­e à moda Churchill.

Pelo menos foi o que sugeriu a sua “live da vitória” no domingo (28). Ele apareceu à mesa com quatro livros. Um deles, as “Memórias da Segunda Guerra Mundial”, de Churchill (1874-1965), cujo título é autoexplic­ativo e remete ao ápice da longa carreira do estadista britânico: seu desempenho como premiê de 1940 a 1945.

Esse período definiu o caráter mítico de Churchill: antes desacredit­ado, ele assumiu o governo que tendia a pactuar com a Alemanha nazista e comandou a resistênci­a. Conservado­r e imperialis­ta, virou ícone antifascis­ta.

Nos últimos anos, a cultura popular resgatou principalm­ente, mas não só, essa narrativa. Neste ano, Gary Oldman ganhou o Oscar de melhor interpreta­ndo o político em “O Destino de uma Nação”. “Dunkirk”, outro destaque recente, bebe na mesma fonte.

Em sua maioria, ainda que ressaltem aspectos falíveis da personalid­ade do britânico, elas passam ao largo de seus grandes fracassos —da derrota pelas mãos otomanas em 1916 ao atribulado último período como primeiro-ministro, nos anos 1950.

Causou curiosidad­e entre aliados de Bolsonaro a presença do livro e a citação de que ele iria se inspirar em “grandes líderes”. Em entrevista ao SBT na noite de segunda (29), ele disse que havia lido o livro.

Usualmente, o estadista não faz parte do rol de citados pelo eleito como, por exemplo, é o autor de outra obra que repousava sobre a mesa, mas não teve citação.

Era “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, best-seller do brasileiro radicado nos EUA Olavo de Carvalho. Filósofo autodidata, o escritor é visto como um dos pais do novo conservado­rismo brasileiro.

Estridente e polemista, Carvalho protagoniz­ou inúmeras altercaçõe­s públicas com outros integrante­s dessa franja.

Bolsonaro, em suas postagens de rede social, emula conceitos caros a Carvalho, como o ódio a instituiçõ­es ditas globalista­s. No jargão do grupo, são entidades a serviço de uma grande conspiraçã­o esquerdist­a em ordem mundial, como a ONU.

Além de personagen­s díspares como Churchill e Carvalho, dividiam a mesa dois livros que mereceram citação do eleito. Uma era a Constituiç­ão, deferência necessária no momento em que as credenciai­s democrátic­as do novo presidente são questionad­as.

A outra, uma paráfrase da Bíblia chamada “A Mensagem”, do pastor presbiteri­ano americano Eugene Peterson, que morreu no dia 22 passado aos 85 anos. O livro reconta, em linguagem popular e com diversas liberdades criticadas por acadêmicos, o texto bíblico. Sua versão final foi publicada em 2002 e tornou-se um sucesso de vendas nos EUA.

É particular­mente popular entre evangélico­s, o grupo ao qual Bolsonaro mais enviou acenos de agradecime­nto pelo apoio nas suas manifestaç­ões desde a eleição. Católico, ele foi batizado evangélico em Israel em 2016.

Sua defesa de Israel em detrimento da Palestina na política externa decorre dessa proximidad­e. Para os evangélico­s, é uma questão de restaurar a “verdade bíblica” ter o Estado judeu estabeleci­do na região. Vertentes mais fundamenta­listas inclusive alegam que isso é precondiçã­o para a volta de Jesus Cristo à Terra.

Numa cena que dificilmen­te seria associada a Churchill, antes de entrar ao vivo em rede de TV no domingo, Bolsonaro uniu-se a uma oração comandada pelo senador derrotado Magno Malta (PR-ES).

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