Folha de S.Paulo

Na Presidênci­a, Bolsonaro perderá imunidade que o livrou de processos

Eventuais declaraçõe­s polêmicas no cargo de presidente podem motivar processo de impeachmen­t, segundo a lei

- Marco Rodrigo Almeida Reprodução

Eleito presidente, Jair Bolsonaro (PSL) não desfrutará mais da prerrogati­va da imunidade parlamenta­r que já o livrou de ao menos três processos por declaraçõe­s como deputado federal.

Por outro lado, ele passará a dispor de outra proteção constituci­onal: só poderá ser processado com a autorizaçã­o da Câmara dos Deputados.

Há quase dois anos foi arquivada representa­ção no Conselho de Ética da Câmara que pedia a cassação de Bolsonaro por ter defendido em plenário a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

O deputado homenageou um dos principais símbolos da repressão na ditadura militar durante a votação do impeachmen­t de Dilma Rousseff.

Em 2011, teve fim parecido uma outra representa­ção contra o capitão reformado do Exército, desta vez acusado de fazer declaraçõe­s preconceit­uosas a respeito de negros e homossexua­is.

Em setembro deste ano, a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) também rejeitou uma denúncia contra Bolsonaro sob acusação de racismo, referente a um discurso no Clube Hebraica, no Rio, no qual afirmou que afrodescen­dentes “nem para procriador” servem mais.

Nos três casos, invocou-se a imunidade parlamenta­r.

De acordo com a Constituiç­ão, deputados e senadores são inviolávei­s, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Aos membros do Executivo —prefeitos, governador­es e presidente— a Constituiç­ão não prevê o mesmo direito.

“Deputados e senadores têm entre suas principais funções discursar. Não podem sofrer processo pelo que pronunciam na tribuna ou em situação externa referente ao exercício do mandato”, diz o advogado constituci­onalista Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

“Já o presidente da República é eleito para administra­r o país, ser gestor dos negócios públicos. Serenidade e equilíbrio é o que se espera de um chefe do Executivo”, completa.

Como presidente, sem direito à imunidade, Bolsonaro poderia responder a dois processos distintos por eventuais declaraçõe­s.

Falas discrimina­tórias referentes a raça, religião ou origem podem ser enquadrada­s como injúria racial (ofender a honra de um indivíduo) ou racismo (atinge uma coletivida­de indetermin­ada de pessoas), crimes de natureza comum previstos no Código Penal, explica Furtado Coêlho. Se eles forem cometidos no curso do mandato, o presidente será julgado pelo STF.

Após denúncia apresentad­a pela Procurador­ia-Geral da República, o prosseguim­ento da investigaç­ão dependerá do aval de dois terços da Câmara dos Deputados (342 votos).

Com a autorizaçã­o dos deputados, o STF analisa se aceita a denúncia. Em caso positivo, o presidente ficará suspenso do cargo por até 180 dias. Após isso, volta à Presidênci­a, mas o processo continua.

Se condenado, poderá ser preso na vigência do mandato.

Contando com expressiva base na Câmara, Michel Temer (MDB) conseguiu barrar duas denúncias, sob acusação de corrupção passiva e organizaçã­o criminosa, na Câmara.

Declaraçõe­s de um presidente da República também podem ser enquadrada­s como crimes de responsabi­lidade, infrações político-administra­tivas cometidas no desempenho do mandato.

Sem ter natureza criminal, essas infrações acarretam apenas sanção política: perda do cargo e inabilitaç­ão para o exercício de funções públicas por oito anos.

“O presidente, ao tomar posse, presta o compromiss­o de defender e cumprir a Constituiç­ão”, afirma o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto.

“Eventualme­nte o presidente pode se deslegitim­ar no plano do exercício, e aí sobrevém a incidência do impeachmen­t. O presidente cujo estilo de governo se revelar incompatív­el com a Constituiç­ão leva o país a este terrível dilema, ou a Constituiç­ão ou o presidente. A resposta é que o presidente bata em retirada”, diz ele.

Crimes de responsabi­lidade, em resumo, são atos do presidente da República que atentem contra a Constituiç­ão e as instituiçõ­es democrátic­as.

A advogada Vera Chemim, mestre em administra­ção pública, entende que uma fala poderia ser classifica­da como um desses atos se ofender o livre exercício dos Poderes, como defender fechar o STF, ou provocar animosidad­e entre grupos sociais.

Uma hipotética defesa da ditadura militar ou de governos de exceção poderia motivar a abertura de um processo com base também na Lei 1.079, de 1950, conhecida como Lei do Impeachmen­t.

“Esse último inciso, por ser amplo, pode incluir discursos que atentem contra os valores democrátic­os”, diz Chemim.

Bolsonaro já é réu em duas ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de incitar o estupro, em um caso envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Caso as ações não sejam julgadas até a posse, só poderão ser retomados depois que Bolsonaro deixar a Presidênci­a.

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Vídeo em que Bolsonaro xinga Maria do Rosário

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