Folha de S.Paulo

Explorando as ambiguidad­es

- Hélio Schwartsma­n

são paulo Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ser eleito presidente sem ter dito o que pretende fazer depois de 1º de janeiro. Ou melhor, sua campanha soltou tantas e tão contraditó­rias declaraçõe­s que qualquer proposta que o governo venha a apresentar será compatível com alguma das sinalizaçõ­es emitidas.

Podemos tanto esperar uma reforma da Previdênci­a vigorosa, quanto uma versão ultra-aguada daquela que foi proposta na gestão Temer. Para os que gostam de marcar “nenhuma das anteriores”, outra possibilid­ade é a mudança do regime de repartição para um de capitaliza­ção, que a maioria dos técnicos considera pouco viável.

Também não sabemos se veremos um programa de privatizaç­ões tão ousado que inclua praias e parques nacionais —seria a única forma de chegar ao R$ 1 trilhão desejado por Paulo Guedes—, ou um tão tímido que deixe de fora estatais “estratégic­as” como Petrobras, BB, CEF e Eletrobras, que são as que valem dinheiro grosso. Em algum momento, tudo isso foi vocalizado ou ao menos insinuado por algum membro do núcleo duro bolsonaria­no.

Tal ambiguidad­e não chega a ser uma surpresa; ao contrário, é uma caracterís­tica da retórica populista, que evita definições que possam alijar eleitores ou converter-se em cobranças no futuro. O próprio discurso da vitória de Bolsonaro teve uma versão mais institucio­nal para o grande público, que não foi ruim, e outra, com mais provocaçõe­s, para a turma das redes sociais.

É interessan­te notar que mesmo as falas mais veementes e ultrajante­s do clã Bolsonaro costumam depois, caso provoquem comoção, ser relativiza­das como se não passassem de brincadeir­a ou tivessem sido descontext­ualizadas. É uma forma de tentar normalizar a intimidaçã­o.

O problema com a ambiguidad­e é que ela funciona melhor na campanha do que no governo. Para fazer as coisas acontecere­m, Bolsonaro precisará tomar decisões, isto é, arbitrar perdedores. helio@uol.com.br

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