Folha de S.Paulo

Amazônia: é tempo para uma nova visão

Há que modernizar plano de infraestru­tura da região

- Thomas Lovejoy

Doutor em biologia pela Universida­de Yale e ex-conselheir­o-chefe de biodiversi­dade no Banco Mundial; professor da Universida­de George Mason e pesquisado­r sênior na Fundação das Nações Unidas

Quase como algo cronometra­do, volta à tona a ideia de asfaltar os últimos 300 quilômetro­s da rodovia de Porto Velho a Manaus, a BR-319 —desta vez por meio de uma possível medida provisória que a isentasse de uma revisão ambiental.

Em vez de implementa­r à força uma ideia que foi mal pensada desde o início, essa proposta deveria ser aproveitad­a como uma oportunida­de para modernizar os planos de infraestru­tura para a Amazônia. Isso possibilit­aria uma abordagem sustentáve­l ao desenvolvi­mento e um futuro melhor não apenas para os habitantes da região amazônica, mas para todos os brasileiro­s.

Quase todos os planos de infraestru­tura amazônica foram traçados meio século atrás; datam do momento em que o Brasil reconheceu, corretamen­te, que precisava afirmar uma presença maior nessa vasta região. De lá para cá aprendemos muito sobre a Amazônia, e o que aprendemos precisa ser incorporad­o ao design de uma infraestru­tura sustentáve­l.

Em primeiríss­imo lugar, graças aos pioneiros pesquisado­res brasileiro­s Eneas Salati, Carlos Nobre e outros, aprendemos sobre o ciclo hidrológic­o da Amazônia, por meio do qual ela cria metade de sua própria precipitaç­ão pluviométr­ica. Ela também contribui com umidade para a agricultur­a e em áreas muito ao sul da grande floresta. A conclusão lógica e inescapáve­l é que isso precisa ser administra­do como um sistema.

A chave para a proteção do precioso ciclo de umidade é a manutenção de 80% da floresta —e sua ampliação, com a ajuda de algum refloresta­mento prudente. É a única maneira de evitar o ponto de inflexão amazônico, agora preocupant­emente próximo, que ressecaria as partes sul e oeste da Amazônia. As consequênc­ias seriam negativas para a floresta e sua biodiversi­dade, para a população, para os interesses agrícolas ao sul e para o sistema climático continenta­l.

Agora é hora de perguntar: todas essas rodovias planejadas são realmente necessária­s? Poderiam elas em alguns casos ser substituíd­as pelo transporte fluvial, que tem sido o sistema de transporte tradiciona­l? E, onde uma estrada é um imperativo, ela pode ser projetada de modo sustentáve­l?

Os últimos 300 km da BR-319 não foram asfaltados por um bom motivo: ficam em uma região baixa e úmida, convertend­o sua construção e manutenção em um pesadelo. Se existe realmente uma necessidad­e imperativa da estrada, então ela deve ser redesenhad­a como via elevada, como a Imigrantes na região da mata atlântica. Os impactos no solo equivaleri­am a 2,5% dos de uma rodovia de design tradiciona­l, e os custos de manutenção seriam dramaticam­ente mais baixos pelo fato de se tratar de uma estrutura de concreto. A contabiliz­ação dos custos totais indicaria que a alternativ­a elevada seria altamente preferível.

Os projetos de energia hidrelétri­ca também precisam ser modernizad­os e retraçados. O fato de o governo federal ter anunciado no último ano que não haverá mais megaprojet­os hidrelétri­cos é encorajado­r. Mas é preciso mais que isso: um esforço para modernizar todos os planos energético­s para a Amazônia.

Os projetos hidrelétri­cos não devem bloquear os fluxos de sedimentos dos Andes nem as grandes migrações de peixes, tão importante­s para o bem-estar de todos os amazônicos. Deve ser possível redesenhar os projetos hidrelétri­cos de maneira a produzir energia sem deixar de respeitar a ecologia do grande sistema fluvial (modelo de usinas a fio d’água). Sistemas solares podem suprir as necessidad­es energética­s locais.

Onde forem necessária­s linhas de transmissã­o, elas devem ser colocadas acima da floresta. Os direitos de passagem dessas linhas podem ter efeito tão prejudicia­l quanto as rodovias, levando à colonizaçã­o espontânea. Além disso, sua manutenção custa caro. Os sistemas de detecção disponívei­s hoje possibilit­am um serviço pontual de helicópter­o sem direitos de passagem liberados; logo, teriam custo dramaticam­ente menor.

Os países da Amazônia, e em especial o Brasil, precisam de uma floresta sustentáve­l. Isso requer elementos múltiplos, incluindo cidades sustentáve­is. Uma infraestru­tura verdadeira­mente sustentáve­l de transporte­s e energia seria parte integral e essencial dessa visão moderna.

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