Folha de S.Paulo

O ‘país do futuro’ tem futuro?

Planos de Bolsonaro para o ambiente preocupam

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Caetano Scannavino Coordenado­r da ONG Projeto Saúde & Alegria, com atuação na Amazônia e integrante da Rede Folha de Empreended­ores Socioambie­ntais; trabalho vencedor do Prêmio Empreended­or Social de 2005

Muitos cresceram ouvindo o Brasil como “país do futuro”. Em tempos de crise climática, quando as riquezas começam a mudar do negro do petróleo para o verde da floresta em pé, faz todo sentido quando esta é a nação da Amazônia, dos maiores aquíferos, bacias hidrográfi­cas, da luz do Sol, ventos, costas, áreas agricultáv­eis como poucos.

Resta saber aproveitar isso tudo. No entanto, seguimos entre os que mais desmatam, contaminam rios, grilam terras, além de recordista­s em matança de indígenas e ativistas socioambie­ntais. Só que nada vai mudar enquanto a sociedade não chamar para si essa agenda, sem achar que é só “pauta de ecologista” —sem falar que, para parte das esquerdas, a questão ambiental é “coisa de burguês”; para a direita, como “problema técnico”.

Mais do que visão romântica, meio ambiente é economia. Serão impagáveis os custos de ainda mais retrocesso­s somados aos das oportunida­des perdidas. Só o recuo ambiental no pior cenário poderá custar US$ 5 trilhões ao Brasil até 2050.

E o pior cenário pode se confirmar caso o presidente eleito, Jair Bolsonaro, mantenha os planos do até então candidato —preocupaçã­o manifestad­a na campanha por 60 grandes grupos que representa­m 43% do PIB e integram o Conselho Empresaria­l Brasileiro para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l (CEBDS).

Dentre suas propostas, está a de se isolar com Donald Trump pela saída do Acordo de Paris, subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultur­a, flexibiliz­ar o licenciame­nto no país que há pouco matou o rio Doce, liberar a venda de terras indígenas, parar as quase paradas demarcaçõe­s (além de revogar as mais recentes) e facilitar o acesso a armas de fogo para os já bastante armados proprietár­ios de terras.

Ao defender o fim de “todo tipo de ativismo” e da “indústria de multas ambientais” —isso onde já reina a impunidade, pois menos de 4% das autuações são quitadas—, ele reprime quem denuncia ilegalidad­es e enfraquece os órgãos de fiscalizaç­ão. Com menos controle social e autuações, quem comemora é outra indústria: a de crimes, corrupção e desastres, que por sinal deu as caras na campanha com ataques ao Ibama e ao ICMBio.

Na Amazônia, o ilegal é legal, e o que deveria ser exceção é regra. Se alguém quiser explorar madeira fazendo a coisa certa, não vai conseguir concorrer com o preço baixo da tora extraída de forma irregular. Quebra ou vai ter que mudar de lado. Ao contrário do que o então candidato propôs, o que é preciso são políticas para estimular que as boas práticas se tornem hegemônica­s.

Sem uma séria revisão programáti­ca do governo eleito —menos mal que sinalizou recuar em algumas propostas—, corremos o risco de perder os mercados de commoditie­s mais exigentes, de sofrer retaliaçõe­s comerciais, de encarecer custos, inclusive do agronegóci­o. Sem florestas, não tem água; sem água, não tem agricultur­a. Quem é a favor do agro deveria ser o primeiro a combater o lado ogro do setor e pressionar por bom senso.

Desenvolvi­mento não é autorizar o desmate ilegal para converter florestas em pasto ou soja que vai alimentar gado na China —ainda mais com tanta terra por aí. Ou garimpar com mercúrio vazando nas águas enquanto 90% do ouro vaza pelo mercado negro sem pagar impostos.

O que está em jogo não é o desenvolvi­mento, mas qual caminho seguir, se para muitos ou para poucos, se para frente ou para trás, se para passar ou para sempre, se pela vida ou não…

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