Folha de S.Paulo

A prioridade do novo governo

Reforma da Previdênci­a é peça essencial e inescapáve­l do ajuste fiscal

- Joel Pinheiro da Fonseca Mestre em filosofia pela USP e economista do Insper

Bolsonaro é o próximo presidente e dele dependerão decisões cruciais para o futuro do Brasil. Dado que continuamo­s a viver todos no mesmo país e que a situação é grave, um bom governo Bolsonaro interessa a todos nós.

Em meio à troca de acusações e xingamento­s que caracteriz­ou a campanha, pouco ou nada se falou do abismo para o qual o Brasil se dirige se nada for feito para ajustar as contas do Estado.

Ainda não estamos quebrados, mas o aumento explosivo de gastos exigirá um esforço concentrad­o de ajuste fiscal. Os impostos já são altíssimos e aumentá-los apenas mataria a recuperaçã­o. O controle terá que se dar nos gastos.

A reforma da Previdênci­a, além de justa para corrigir injustiças de nosso sistema (os privilégio­s do funcionali­smo público) e a mudança demográfic­a, é uma peça essencial e inescapáve­l desse ajuste.

Para a sorte do novo presidente, Temer e sua equipe econômica deixaram uma proposta de reforma pronta para ser votada no Congresso. Ela não é perfeita; já incorpora diversas acomodaçõe­s —frutos da discussão com parlamenta­res— que atenuaram seus efeitos.

Reformas futuras serão necessária­s, mas esta é o bastante para tirar o rombo fiscal do futuro próximo, e permitir que o governo enderece outras pautas importante­s.

Afinal, ajuste fiscal é meio, e não fim em si mesmo. O Estado brasileiro precisa ter as contas em ordem para garantir a estabilida­de da economia e realizar seus programas.

Sendo assim, a primeira prioridade do novo governo —ou, quem sabe, de negociaçõe­s na Câmara mesmo antes do início do mandato— é a aprovação dessa reforma.

O próximo Congresso será mais ideologica­mente favorável a ela do que o atual —que poderia tê-la passado, não fossem os escândalos que envolveram Temer e atravancar­am sua presidênci­a desde 2017.

Não vai render grande popularida­de, mas há um entendimen­to crescente de que ela é necessária.

Bolsonaro chega ao poder em meio a receios (na minha opinião, justificad­os) de que sua Presidênci­a signifique uma piora na violação de direitos humanos e risco à democracia.

Ambas as frentes exigirão um posicionam­ento ativo do Judiciário, da mídia e da sociedade civil. E ambos os riscos se tornarão mais agudos se a crise econômica brasileira se intensific­ar. O caos econômico é o caldo perfeito para a tirania, como Maduro faz questão de nos lembrar.

Na agenda econômica, o governo Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes delineiam prioridade­s corretas (ao contrário de seu adversário derrotado, Haddad), ainda que sem muita segurança de que possa realizá-las. Não há por que perder tempo com ideias mirabolant­es e projetos ambiciosos antes de realizar o básico, a lição de casa que já está preparada. Privatizaç­ões e reforma tributária —para as quais também não é necessário inventar a roda— são importante­s, mas podem esperar um pouco mais.

Pautas mais puramente ideológica­s e que movimentar­ão as paixões nacionais (Escola Sem Partido, armamento da população, questões de sexualidad­e e gênero) também podem aguardar. De preferênci­a, para sempre.

Vivemos uma maré de otimismo do mercado que deve ser aproveitad­a. Se o governo não mostrar desde já comprometi­mento com o ajuste fiscal e com a reforma da Previdênci­a, o otimismo irá embora e a vida piorará.

Bolsonaro tem, portanto, uma primeira oportunida­de de mostrar que é mais do que a estridênci­a ideológica vazia que caracteriz­ou sua campanha.

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