Folha de S.Paulo

Estratégia de Bolsonaro coloca Estado laico em risco, afirma pesquisado­ra

- Thais Bilenky

A estratégia de candidatos que dialogam com o eleitorado religioso, como o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), assumiu textura mais escorregad­iça, o que torna a defesa do Estado laico um desafio crescente.

Éa constataçã­o deCh ristina Vital, do centena Universida­de Federal Fluminense, segundo quem aagend apolítica nunca esteve tão permeada por valores religiosos.

“Desde 2010, agente só viu aumentarem­os riscosà laicidade ”, afirmou a pesquisado­ra, e mentre vistaà Folha.

A estratégia adotada por candidatos, especialme­nte para o Executivo, que precisam dialogar com público ex pan dido,éo que Vitalch amade revelação e ocultação d aconfessio­nal iz açã od apolítica.

Consiste em ativara agenda religiosa para os grupos em que ela é um capital eleitoral e amainá-la ao tratar com grupos de interesse. Nestes casos, pautas setorizada­s são abordadas, em especia lada segurança pública.

Bolsonaro evidencia o jogo. Ele chegou a arriscara estratégia puramente confession­al inicialmen­te. Banhou-se no rio Jordão coma bênção do Pastor Everaldo (PSC), em 2016, um gesto explícito ao eleitorado evangélico.

Não se converteu, contudo, nem religiosa nem politicame­nte. Define-se católico, mas sensível ao eleitorado que representa 30% do Brasil. É oque Vital cham ade ADE, amigo de evangélico­s. Ajuda-o o casamento com uma fiel da Igreja Batista.

Sema identidade evangélica fincada, manteve prestígio entre o público avesso ao fervor de uma fé em particular. E para isso, como é notório, usa do passado militar para alavancar sua associação coma pauta da segurança.

O próprio Pastor Everaldo provou do fracasso que a estratégia puramente confession­al até hoje resultou no Brasil. Sua candidatur­a à Presidênci­a em 2014 não recebeu 1% dos votos.

“A anunciação religiosa traz muitos limites. Coma revelação eocultação,é possível atingir um eleitorado mais amplo”, resumiu Vital.

Nesse cenário, as noções de laicidade estão sob ameaça, entende a pesquisado­ra.

“Essa confession­al iz ação implícita esvaziou o argumento do ativismo pela laicidade do Estado. São candidatos que se apresentam como outros quaisquer, mas que também têm uma religião.”

Vital vê a laicidade perdendo espaço no Brasil, seja na concepção francesa, seja na americana. Na primeira, o espaço estatal não deve acolher qualquer símbolo religioso.

Na segunda, a religião pode ser representa­da na esfera pública, porque a liberdade de crença e de expressão estão garantidas. No entanto, a divisória é clara: a religião não norteia a política.

“No Brasil, a agenda religiosa afeta políticas públicas universais, em torno de argumentos inscritos em uma fé”, disse Vital. A Igreja Católica, por exemplo, fez lobby contra um material do Ministério da Saúde para reduzir a Aids, e correntes evangélica­s militaram contra o programa Escola sem Homofobia, o kit gay.

Em outra frente, Vital acompanha o fortalecim­ento de associaçõe­s de magistrado­s religiosos, católicos, evangélico­s e espíritas. Eles ocupam postos destacados no Judiciário e no Ministério Público.

Eleito governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) explicitou uma combinação bem sucedida de revelação e ocultação e uma identidade laboral —no seu caso, a magistratu­ra.

Não à toa, o presidenci­ável derrotado Fernando Haddad (PT) reforçou sua apresentaç­ão como professor.

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