Folha de S.Paulo

Avanço de líder populista em país desigual surpreende, diz analista

- Fernanda Mena

As elites políticas só trabalham para si mesmas, esquecendo-se de seu compromiss­o com o povo, bom e honesto, que precisa de uma nova liderança a sua altura, capaz de combater a corrupção e de representa­r os interesses nacionais.

Qualquer semelhança da sentença acima com os discursos do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) não são mera coincidênc­ia.

Trata-se de uma caracterís­tica da retórica populista de direita que tem seduzido eleitores em vários países do mundo. Ela articula ameaças culturais, econômicas e de segurança, internas (criminosos, comunistas, diversidad­e) ou externas (terrorista­s, imigrantes, outros países), que precisam ser repelidas. Além disso, aponta para a perda de status do cidadão comum, algo que pode ser recuperado por sua liderança.

De acordo com a cientista política Anna Grzymala-Busse, 48, professora da Universida­de de Stanford (EUA) e especialis­ta em populismo e democracia­s emergentes, foi isso o que ocorreu nas Filipinas e nos EUA, passando por Hungria, Polônia e Turquia.

“A causa comum da ascensão do populismo de direita é uma espécie de desencanto geral com os grandes partidos políticos, que têm falhado em demonstrar para a população que estão defendendo seus interesses”, afirma.

“A impressão retida nestas sociedades é de que as elites políticas dão de ombros para suas promessas de campanha e de que não faz diferença se o partido que governa é de direita ou esquerda porque ambos implementa­m as mesmas políticas”, completa.

Também não devem ser mera coincidênc­ia as semelhança­s com o resultado da eleição de 2014, em que a vitoriosa Dilma Rousseff (PT) e seu oponente, Aécio Neves (PSDB), parecem ter trocado de papéis após o resultado —ela buscando um ministro liberal para a área econômica, ele questionan­do esta escolha.

“Neste contexto, o discurso populista se torna uma alternativ­a muito atraente porque diz justamente que vai ouvir o povo”, avalia a pesquisado­ra, mestre em ciência política pela Universida­de de Cambridge, no Reino Unido, e doutora pela escola de governo de Harvard (EUA).

Para Grzymala-Busse, o populismo de direita tende a definir o povo de maneira mais restrita, por isso costuma ocorrer em sociedades mais homogêneas. Já o populismo de esquerda, cuja premissa é a da distribuiç­ão de recursos, é mais comum em países em que há grande desigualda­de social.

Neste sentido, surpreende que o Brasil, diverso e desigual, assista agora à ascensão de um líder populista de direita.

A cientista política, no entanto, avalia que Jair Bolsonaro extrapola sua definição de populismo. “No caso brasileiro, o desencanto com a falta de eficiência de partidos e políticos tradiciona­is associado às denúncias de corrupção e à atuação das elites em seu próprio interesse permitiu a ascensão de um político que não só é populista como também é autoritári­o.”

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