Avanço de líder populista em país desigual surpreende, diz analista
As elites políticas só trabalham para si mesmas, esquecendo-se de seu compromisso com o povo, bom e honesto, que precisa de uma nova liderança a sua altura, capaz de combater a corrupção e de representar os interesses nacionais.
Qualquer semelhança da sentença acima com os discursos do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) não são mera coincidência.
Trata-se de uma característica da retórica populista de direita que tem seduzido eleitores em vários países do mundo. Ela articula ameaças culturais, econômicas e de segurança, internas (criminosos, comunistas, diversidade) ou externas (terroristas, imigrantes, outros países), que precisam ser repelidas. Além disso, aponta para a perda de status do cidadão comum, algo que pode ser recuperado por sua liderança.
De acordo com a cientista política Anna Grzymala-Busse, 48, professora da Universidade de Stanford (EUA) e especialista em populismo e democracias emergentes, foi isso o que ocorreu nas Filipinas e nos EUA, passando por Hungria, Polônia e Turquia.
“A causa comum da ascensão do populismo de direita é uma espécie de desencanto geral com os grandes partidos políticos, que têm falhado em demonstrar para a população que estão defendendo seus interesses”, afirma.
“A impressão retida nestas sociedades é de que as elites políticas dão de ombros para suas promessas de campanha e de que não faz diferença se o partido que governa é de direita ou esquerda porque ambos implementam as mesmas políticas”, completa.
Também não devem ser mera coincidência as semelhanças com o resultado da eleição de 2014, em que a vitoriosa Dilma Rousseff (PT) e seu oponente, Aécio Neves (PSDB), parecem ter trocado de papéis após o resultado —ela buscando um ministro liberal para a área econômica, ele questionando esta escolha.
“Neste contexto, o discurso populista se torna uma alternativa muito atraente porque diz justamente que vai ouvir o povo”, avalia a pesquisadora, mestre em ciência política pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e doutora pela escola de governo de Harvard (EUA).
Para Grzymala-Busse, o populismo de direita tende a definir o povo de maneira mais restrita, por isso costuma ocorrer em sociedades mais homogêneas. Já o populismo de esquerda, cuja premissa é a da distribuição de recursos, é mais comum em países em que há grande desigualdade social.
Neste sentido, surpreende que o Brasil, diverso e desigual, assista agora à ascensão de um líder populista de direita.
A cientista política, no entanto, avalia que Jair Bolsonaro extrapola sua definição de populismo. “No caso brasileiro, o desencanto com a falta de eficiência de partidos e políticos tradicionais associado às denúncias de corrupção e à atuação das elites em seu próprio interesse permitiu a ascensão de um político que não só é populista como também é autoritário.”