Folha de S.Paulo

O tempo continuará nublado, e as redes serão Weather Channel cívico

- Marco Aurélio Ruediger Doutor em sociologia e diretor da FGV DAPP (opiniões aqui expressas são de responsabi­lidade do autor)

Tornou-se agora lugar comum algo que há tempos apontávamo­s neste espaço: o vencedor do pleito federal seria aquele que melhor operasse as redes sociais e sintetizas­se temas nacionais no processo político.

Claro, houve o atentado ao candidato Jair Bolsonaro, hoje presidente eleito. Contudo, se o atentado por si não o elegeu, elevou o patamar e a perspectiv­a épica da candidatur­a, o que, associado a outros fatores, gerou enorme resiliênci­a nos patamares alcançados e sustentado­s por Bolsonaro. Dentre esses fatores, o mais significat­ivo foi a capacidade de usar de forma extremamen­te eficaz as redes, envelopand­o, de forma letal aos concorrent­es, três metatemas.

O primeiro, vinculado à segurança pública; o segundo, vinculado ao desemprego; o terceiro, vinculado à corrupção. Como fio condutor desses temas, duas narrativas.

Por um lado, o antipetism­o. De outro, o argumento do “nós contra eles”, que de forma circular alceou a espetaculo­sidade do atentado, dando um caráter messiânico ao candidato, enquanto colocava no mesmo balaio seus adversário­s, que transitara­m em momentos diferentes pelos escaninhos do poder.

No entanto, essa narrativa teve um reforço cúmplice, ainda que não intenciona­l, nos erros do PT.

Esse partido também baseou sua estratégia numa visão messiânica de sua liderança maior e no cálculo maximizado­r de assegurar sua hegemonia de campo, na certeza que em um cenário altamente polarizado, no segundo turno, por gravidade, outros competidor­es seriam atraídos em seu apoio.

Alexis de Tocquevill­e, em uma passagem seminal de “O Antigo Regime e a Revolução”, observa justamente como uma iniciativa política pode gerar efeitos não intenciona­is, imprevisto­s, que não só neutraliza­m como destroem o próprio agente que a gerou.

Assim foi a derrocada da monarquia ante os pés da Revolução Francesa, e assim foi o PT em sua estratégia. Acima de tudo, imaginou que salinizar agressivam­ente potenciais apoios à candidatur­a de Ciro Gomes não teria efeitos posteriore­s. Um grande erro de cálculo. As propostas e o programa tinham também graves idiossincr­asias, careciam de autocrític­a e evitavam a discussão objetiva dos metatemas contundent­es disseminad­os pela direita, tal como por ela narrados.

Ao reduzir seu discurso somente à extensão dos direitos, sem equacionar claramente como a conta seria fechada, pareceu reafirmar sua fraqueza mais fundamenta­l, recursivam­ente: a de não inspirar confiança ao que diz. A narrativa da direita não foi desconstru­ída.

Erro capital, o PT confiou por demais nos meios tradiciona­is de que dispunha, além do carisma de Lula. Militância e TV. Em nada evoluiu nas redes desde 2014. Estacionou nisso tanto quanto seu primo distante, o PSDB. Ambos terminam derrotados.

Por fim, no mais recente equívoco, Haddad se propõe a representa­r 45 milhões de votos. Teve-os, mas representa, de fato, os votos que obteve no primeiro turno. Os demais vieram por adesão gravitacio­nal, mas de trajetória por demais tangente para entrar em sua órbita. Somados aos votos brancos e nulos, percebe-se claramente um espaço para futura terceira via.

Em síntese, vida que segue, e o que se esperar então? Em primeiro lugar, olhos no Congresso. A eleição da Casa pode prover o necessário check and balance ao sistema. Não pela esquerda, mas por um centro conservado­r tradiciona­l, capaz de construir pontes internas com todos os matizes.

Depois, olhos nas redes, que devem influencia­r o Congresso por meio de lobbies virtuais e antecipar tendências.

Finalmente, olhos no Poder Executivo. Um contato intenso pelas redes com o cidadão e o mercado via plataforma­s sociais e, eventualme­nte, o monitorame­nto da eficacidad­e de políticas públicas em tempo real. Fora isso, o ajuste forte na economia e na máquina. O tempo continuará nublado, e as redes serão o Weather Channel cívico.

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