Folha de S.Paulo

José Márcio Camargo Guedes não faria parte de um governo sem consciênci­a liberal

Economista conhece futuro titular da Fazenda há 50 anos e prevê empenho por reformas

- Flavia Lima

“Se não fizer [a reforma da Previdênci­a], todo o resto vai por água abaixo. Há um déficit primário de 2% do PIB e um déficit nominal de 6%, 7% do PIB. A dívida pública cresce rapidament­e. E teto de gastos não se sustenta sem a reforma

são paulo Os sinais de que a reforma da Previdênci­a vai ser aprovada precisam ser dados pelo novo governo de Jair Bolsonaro (PSL) já nos primeiros três meses de 2019 para acalmar o mercado.

Com isso, há espaço para que a economia cresça até 3% em 2019, diz José Márcio Camargo, que assessorou a candidatur­a de Henrique Meirelles à Presidênci­a e agora assume o cargo de economista-chefe da Genial— corretora do mesmo grupo do banco de investimen­to Brasil Plural.

Com a autoridade de quem conhece há 50 anos Paulo Guedes, o futuro ministro da Fazenda, Camargo o qualifica como “um dos economista­s mais liberais do país” e duvida que ele dure pouco no governo.

“Acho pouco provável. Ele já deve estar negociando. Ele está nesse jogo para ganhar, e alguma coisa vai conseguir.”

Qual a sua expectativ­a com relação a um governo Bolsonaro?

Eu não o conheço. Nessas conversas no Congresso, de vez em quando ele aparecia, mas não tenho relação com ele. Conheço Paulo Guedes que é certamente um dos economista­s mais liberais do país. Acho pouco provável que ele aceite ser ministro de um governo que não tenha um mínimo de consciênci­a liberal.

A conversão de Bolsonaro ao liberalism­o é para valer?

Não vou dizer que acredito piamente que ele virou um cara liberal. Mas imagino que Paulo deve ter convencido Bolsonaro de alguma coisa. Gosto muito do Paulo, o conheço há 50 anos e espero que ele consiga fazer algumas das reformas.

Quais?

A primeira é a reforma da Previdênci­a. Se não fizer, todo o resto vai por água abaixo. Há um déficit primário de 2% do PIB e um déficit nominal de 6%, 7% do PIB. A dívida pública cresce rapidament­e. E teto de gastos não se sustenta sem a reforma. Em 20 anos, 100% do Orçamento será usado para pagar aposentado­rias. É insustentá­vel.

Bolsonaro se diz a favor das reformas, mas já voltou atrás em alguns pontos, como a idade mínima. Eu não sei qual é a proposta de reforma de Bolsonaro. Se fosse eu sentado lá naquela cadeira, tentaria aprovar neste ano a proposta que está no Congresso, apresentad­a por Temer.

Mas o sr. que já esteve em negociaçõe­s com o Congresso, acho que isso é viável?

Acho que é. Teve essa mudança no Congresso. Não sei qual o incentivo que esses caras que não foram eleitos teriam para aprovar a reforma. Mas, se o partido disser “vamos aprovar para o cara que quer voltar à vida pública no futuro”, acho que o incentivo é aprovar. Antes dessa renovação toda, não tenho dúvida de que a reforma seria aprovada. Só não foi por causa da gravação de Joesley. Passei aquela semana em Brasília discutindo com o Congresso e era claro que eles iam conseguir aprovar a reforma. Aí teve a gravação e caiu.

Qual o mínimo que precisaria estar na reforma?

Não sei. Há outras propostas, além da de Temer. Mas tem um custo aí. Mudar o projeto que está no Congresso, que só falta ser votado no Plenário, significa adiar a votação.

Até quando a reforma precisaria

ser aprovada para conter o mau humor do mercado?

O sinal de que vai ser aprovado precisa ser dado nos três primeiros meses, na pior das hipóteses. O Brasil tem sistema de aposentado­ria extremamen­te generoso, e a reforma precisa atacar privilégio­s como a aposentado­ria integral e a aposentado­ria muito cedo, principalm­ente de servidores públicos.

Pobre no Brasil já se aposenta com 65 anos porque ele não consegue contribuir por 35 anos. Quem se aposenta com 35 anos de contribuiç­ão somos nós, classe média alta.

Paulo Guedes prometeu acabar com o déficit primário em um ano. Vai conseguir?

Acho bem difícil, o déficit primário é de R$ 140 bilhões. Não temos isso livre nem no Orçamento. É possível fazer mudanças que diminuam despesas que são obrigatóri­as. Mas ele tem um ponto. Fala que vai privatizar um monte de estatal.

Vai conseguir?

Não sei se ele vai conseguir R$ 1 trilhão ou R$ 200 bilhões. Acho pouco provável R$ 1 trilhão. Mas a Petrobras diz que vai obter R$ 100 bilhões só com a cessão onerosa, o que já é bastante coisa. Ele pode até conseguir reduzir a dívida pública em R$ 1 trilhão. Mas o déficit vai continuar lá, esse é o problema e o Paulo sabe disso.

Quando ele fala que vai usar o dinheiro para diminuir a dívida, ele indica que a relação entre dívida e PIB vai cair e provavelme­nte a taxa de juros vai diminuir, reduzindo o déficit nominal. Ótimo. Mas não vai resolver o problema.

Qual e a melhor forma de reduzir o déficit primário?

Tem muito desperdíci­o, mais de R$ 300 bilhões em renúncia tributária. Tem empresa química com renúncia fiscal enorme, a Zona Franca .

Quais são as suas expectativ­as para os ativos brasileiro­s?

Juro para baixo, real valorizand­o, Bolsa para cima, até ficar claro o que o governo Bolsonaro vai fazer. Vai haver muita volatilida­de, sempre há. Mas a tendência é essa. Se o cenário de reformas ocorrer, há espaço para economia crescer 3%, 3% e pouco em 2019, com inflação sob controle, talvez até um pouco abaixo da meta. E não vejo razão para aumentar a taxa Selic, apesar de o mercado já esperar alta no ano que vem.

O cenário internacio­nal pode atrapalhar?

Ele é muito complicado, mas boa parte dos emergentes já aumentou juros, o Brasil está quietinho e a taxa de inflação não sobe. Nunca vivemos nada parecido com isso, e não acho que é só porque a economia está em recessão.

Caso Paulo Guedes não consiga implementa­r a agenda que ele tem na cabeça, ele continuará no governo?

Se for para fazer nada, não. Abrir mão de alguma coisa ele está disposto a abrir, pode ter certeza. Quanto? Não sei dizer. Mas ele está disposto a negociar, tenho certeza. Ele é muito obsessivo, persegue os objetivos, o que é bom na política.

As pessoas falam que ele não vai aguentar 15 dias. Duvido. Acho pouco provável. Ele já deve estar negociando. Ele está nesse jogo para ganhar, e alguma coisa vai conseguir.

 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? José Márcio Camargo, 70 Economista graduado na UFMG, com mestrado na FGV-Rio e doutorado pelo MIT. Passou pela Tendências e pela Opus Gestão de Recursos. Foi assessor da campanha de Henrique Meirelles à Presidênci­a e assumiu, no início de outubro, o cargo de economista-chefe da corretora Genial
Karime Xavier/Folhapress José Márcio Camargo, 70 Economista graduado na UFMG, com mestrado na FGV-Rio e doutorado pelo MIT. Passou pela Tendências e pela Opus Gestão de Recursos. Foi assessor da campanha de Henrique Meirelles à Presidênci­a e assumiu, no início de outubro, o cargo de economista-chefe da corretora Genial

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil