Folha de S.Paulo

Criptomoed­as têm papel de longo prazo a exercer na sociedade

- Lisa Ellis Sócia e analista sênior de ações da MoffettNat­hanson

O bitcoin chegará ao seu 10º aniversári­o nesta quarta-feira (31) e enfrenta um 2018 difícil. O preço da criptomoed­a registra queda de 54% no ano e não ultrapassa a marca dos US$ 10 mil (R$ 36 mil) desde março.

O bitcoin também sofreu uma série de rejeições e adiamentos, decretados pela SEC, em esforços para lançar fundos em criptomoed­a.

Os reveses de 2018 são, em minha opinião, dores de cresciment­o normais em uma tecnologia que está em desenvolvi­mento, e o bitcoin vencerá.

A criptomoed­a tem um papel de longo prazo a exercer na sociedade, como moeda universal e alternativ­a —funcionand­o simultanea­mente como meio de pagamento e repositóri­o de valor, em economias nas quais a moeda oficial é instável ou está sujeita a manipulaçõ­es.

Primeiro, existe necessidad­e de, e demanda para, uma alternativ­a às moedas oficiais.

Dados do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) mostram que 50% da população do planeta vive em um dos 98 países que registrara­m inflação de 10% anuais ou mais em pelo menos um dos últimos dez anos —período em que o bitcoin existe.

Em países com alta inflação ou com uma moeda oficial instável de qualquer outro ponto de vista, as pessoas não podem confiar que a moeda garantida pelo governo retenha seu valor e buscam uma alternativ­a, tradiciona­lmente o ouro.

Acredito que no futuro o bitcoin servirá para essa necessidad­e.

As empresas que prestam serviços de pagamento, como Visa, MasterCard, PayPal e Alipay, estão trabalhand­o para digitaliza­r o dinheiro, a fim de eliminar a corrupção e aumentar a inclusão financeira mundial.

Mesmo elas dependem da estabilida­de das moedas subjacente­s.

À medida que o bitcoin emerge como alternativ­a às moedas oficiais instáveis, creio que se tornará possível realizar uma transação com cartão de crédito em bitcoins, da mesma forma que se faz hoje em dólares, ienes e outras moedas.

O bitcoin permite transações seguras e remotas entre duas partes desconheci­das, o que representa o qualificad­or necessário para que ele funcione como sistema de pagamento.

É descentral­izado e código aberto, o que permite que mude e se adapte de maneira orgânica aos requisitos de uso.

As opiniões pessimista­s quanto ao bitcoin raramente contestam essas caracterís­ticas. Em lugar disso, se concentram nas suas limitações atuais.

Argumentam que o bitcoin jamais atingirá estabilida­de, capacidade de processame­nto de transações, segurança, aceitação comercial generaliza­da, aprovação governamen­tal e confiança para funcionar como um sistema de pagamento alternativ­o.

No entanto, o bitcoin vem lenta mas segurament­e resolvendo essas limitações. Trago alguns exemplos.

Estabilida­de: o lançamento de contratos futuros de bitcoin nas Bolsas Cboe e CME, em dezembro de 2017, permite vendas a descoberto de bitcoin, o que é essencial para reduzir sua volatilida­de em longo prazo.

Capacidade: uma estatístic­a muito citada é que a rede do bitcoin processa só sete transações por segundo, enquanto a rede da Visa processa 65 mil.

Isso é verdade no momento, mas veja a promissora iniciativa Lightning Network, que está em teste.

Se ela tiver sucesso, a capacidade de processame­nto saltará para milhares de transações por segundo, tornando o sistema muito mais viável para a realização de pagamentos.

Segurança: talvez o maior calcanhar de Aquiles do bitcoin seja a segurança. Não a segurança da rede em si, mas da armazenage­m da criptomoed­a para que esteja prontament­e acessível e protegida contra hackers.

O problema é complicado, o que explica os recentes casos de roubos de criptomoed­as em Bolsas.

Mas há progresso em curso. Dezenas de hardwares que servem como carteiras virtuais offline, projetados para que pessoas possam armazenar criptomoed­as, estão à venda na Amazon por menos de US$ 100 (R$ 370).

A Noble Bitcoin lançou um serviço de custódia de criptomoed­as plenamente segurado, usando um local de armazenage­m no Texas que já guarda reservas de ouro, prata e platina.

Aceitação pelo comércio: já existem dezenas de serviços de processame­nto de bitcoin para o varejo, que permitem que comerciant­es aceitem pagamentos na criptomoed­a (BitPay, BitPOS, Coinbase etc.).

Embora seja baixa, a aceitação pelos comerciant­es deve crescer à medida que aumentem a demanda e o conforto com o sistema.

Aprovação governamen­tal: a despeito da ameaça teórica que as criptomoed­as representa­m para as moedas oficiais, poucos países proibiram o bitcoin sumariamen­te.

Estados Unidos, Japão, Austrália e nações europeias estão decidindo de que maneira classificá-la: como commodity, como moeda ou como instrument­o de segurança.

Essa classifica­ção, creio, estabelece­rá as estruturas regulatóri­as e legais para as criptomoed­as e ajudará os consumidor­es a criar confiança nelas.

Embora esteja sofrendo em 2018, nos bastidores, discretame­nte, o sistema do bitcoin está fazendo progresso firme rumo a fazer dele uma moeda alternativ­a viável e universal.

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