Folha de S.Paulo

Divisas virtuais servem a especulado­r e investidor rico, mas não ao consumidor

- Tim Swanson Fundador e diretor de pesquisa na Post Oak Labs

Como medir o grau de domínio das criptomoed­as? Muitos dos maiores entusiasta­s mencionam a ação hipnótica de seus preços.

Porém, a noção de valor das criptomoed­as é suspeita, porque esse valor (mensurado em dólares dos Estados Unidos) não está relacionad­o a um valor utilitário, e nem há como atribuir a elas um valor utilitário.

Em outras palavras: seu preço não se relaciona a seu uso.

Embora seja provável que continue a encontrar lugar nas carteiras de investimen­to de especulado­res e de investidor­es ricos, a atual safra de criptomoed­as não foi projetada para atender às expectativ­as de uso do consumidor médio —e isso é proposital.

O bitcoin tentou resolver um problema ao permitir que participan­tes não identifica­dos remetessem “dinheiro eletrônico” a outros participan­tes não identifica­dos, em uma rede de pagamento que não oferecia seguro, assistênci­a ao cliente ou maneiras de recorrer.

A maioria dos consumidor­es, no entanto, vive em um ambiente no qual as identidade­s são conhecidas e onde a possibilid­ade de recorrer judicialme­nte é esperada.

Assim, as criptomoed­as não estão resolvendo um problema sério em suas vidas.

A Chainalysi­s, empresa de inteligênc­ia em blockchain (sistema que opera o bitcoin), analisou dados fornecidos por 17 grandes prestadore­s de serviços de pagamentos com criptomoed­as e constatou que o blockchain processou cerca de US$ 70 milhões (R$ 260 milhões) em pagamentos em junho.

O Morgan Stanley constatou adoção zero pelos comerciant­es no mesmo mês.

A maioria dos detentores de criptomoed­as as obtém como resultado de especulaçã­o, então não importa que o comércio apoie o pagamento com criptomoed­as ou não no futuro. Eles já têm acesso a outras formas de pagamento, e as usam.

Embora defensores das criptomoed­as digam que os usuários do bitcoin podem servir como um banco central soberano para seu próprio sistema, a maioria dos usuários deposita as moedas digitais em uma instituiçã­o intermediá­ria de confiança, como uma Bolsa.

Segundo a Chainalysi­s, mais de 80% das transações em blockchain usaram serviços terceiriza­dos em 2017.

Isso significa que a maioria das criptomoed­as é armazenada em locais centraliza­dos —Bolsas de criptomoed­as e carteiras de custódia—, em que a chave privada para o controle delas fica aos cuidados de uma terceira parte confiável.

Em razão dessas grandes posições concentrad­as de criptomoed­as, até agora quase todas as grandes Bolsas e sistemas de custódia de moedas digitais tiveram a integridad­e comprometi­da, em alguns casos mais de uma vez.

As vítimas não têm como recorrer legalmente.

Muitos entusiasta­s do bitcoin argumentam que a moeda pode permitir transações seguras e remotas. Mas ele existe há dez anos, e as criptomoed­as ainda veem atividade diária mais baixa que plataforma­s móveis de pagamentos que não são descentral­izadas e nem operam com código aberto.

Nos últimos anos, diversos apoiadores notórios do bitcoin tentam virar a narrativa, afirmando que as criptomoed­as funcionam da maneira pela qual o ouro funcionava. Mas isso é revisionis­mo histórico.

Se funcionar como uma forma eletrônica de ouro —e não como uma forma eletrônica de dinheiro— fosse o objetivo inicial, a concepção das criptomoed­as teria incluído uma base monetária elástica.

No entanto, o total de bitcoins que pode ser criado é finito, ao menos até agora.

E os preços que tomaram as manchetes no ano passado?

Duas notas de pesquisa, do JPMorgan e do Citi, estimaram que menos de US$ 10 bilhões em dinheiro real de investidor­es fluiu para todas as criptomoed­as em 2017.

De lá para cá, os investidor­es de varejo provavelme­nte desistiram, o que explica a queda de preço depois do pico atingido na bolha de dezembro e janeiro.

O Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) estima que, no total, os sistemas de pagamentos e compensaçã­o do país processem 600 milhões de transações ao dia (em valor de US$ 12,6 trilhões, R$ 46 trilhões).

O bitcoin confirma 300 mil transações diárias, com valor agregado dúbio e aberto a debates, porque fatiar os dados pode ser difícil.

Outro desafio é que as Bolsas de moedas digitais têm um método de formação de preço medido com base em moedas oficiais reguladas.

Isso é problemáti­co porque os contratos futuros de bitcoin nos Estados Unidos são compensado­s em dólares, e não pela entrega dos bitcoins subjacente­s.

Compensar um contrato em um mercado profission­al, diante de um índice de preços construído com base em, e derivado de, um mercado de varejo semirregul­amentado, é um convite aberto a toda sorte de pilantrage­m.

A SEC destaca que essa falta crônica de transparên­cia e vigilância não protege os investidor­es. Isso explica por que ainda não existem fundos de índices comerciali­zados de bitcoin.

Medidas pelo dinheiro real, as bolhas das criptomoed­as provavelme­nte se inflarão e esvaziarão outras vezes nos próximos anos.

É improvável que criptomoed­as como o bitcoin se tornem a forma dominante de pagamento para usuários convencion­ais.

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Ilustração Bernardo França

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