Divisas virtuais servem a especulador e investidor rico, mas não ao consumidor
Como medir o grau de domínio das criptomoedas? Muitos dos maiores entusiastas mencionam a ação hipnótica de seus preços.
Porém, a noção de valor das criptomoedas é suspeita, porque esse valor (mensurado em dólares dos Estados Unidos) não está relacionado a um valor utilitário, e nem há como atribuir a elas um valor utilitário.
Em outras palavras: seu preço não se relaciona a seu uso.
Embora seja provável que continue a encontrar lugar nas carteiras de investimento de especuladores e de investidores ricos, a atual safra de criptomoedas não foi projetada para atender às expectativas de uso do consumidor médio —e isso é proposital.
O bitcoin tentou resolver um problema ao permitir que participantes não identificados remetessem “dinheiro eletrônico” a outros participantes não identificados, em uma rede de pagamento que não oferecia seguro, assistência ao cliente ou maneiras de recorrer.
A maioria dos consumidores, no entanto, vive em um ambiente no qual as identidades são conhecidas e onde a possibilidade de recorrer judicialmente é esperada.
Assim, as criptomoedas não estão resolvendo um problema sério em suas vidas.
A Chainalysis, empresa de inteligência em blockchain (sistema que opera o bitcoin), analisou dados fornecidos por 17 grandes prestadores de serviços de pagamentos com criptomoedas e constatou que o blockchain processou cerca de US$ 70 milhões (R$ 260 milhões) em pagamentos em junho.
O Morgan Stanley constatou adoção zero pelos comerciantes no mesmo mês.
A maioria dos detentores de criptomoedas as obtém como resultado de especulação, então não importa que o comércio apoie o pagamento com criptomoedas ou não no futuro. Eles já têm acesso a outras formas de pagamento, e as usam.
Embora defensores das criptomoedas digam que os usuários do bitcoin podem servir como um banco central soberano para seu próprio sistema, a maioria dos usuários deposita as moedas digitais em uma instituição intermediária de confiança, como uma Bolsa.
Segundo a Chainalysis, mais de 80% das transações em blockchain usaram serviços terceirizados em 2017.
Isso significa que a maioria das criptomoedas é armazenada em locais centralizados —Bolsas de criptomoedas e carteiras de custódia—, em que a chave privada para o controle delas fica aos cuidados de uma terceira parte confiável.
Em razão dessas grandes posições concentradas de criptomoedas, até agora quase todas as grandes Bolsas e sistemas de custódia de moedas digitais tiveram a integridade comprometida, em alguns casos mais de uma vez.
As vítimas não têm como recorrer legalmente.
Muitos entusiastas do bitcoin argumentam que a moeda pode permitir transações seguras e remotas. Mas ele existe há dez anos, e as criptomoedas ainda veem atividade diária mais baixa que plataformas móveis de pagamentos que não são descentralizadas e nem operam com código aberto.
Nos últimos anos, diversos apoiadores notórios do bitcoin tentam virar a narrativa, afirmando que as criptomoedas funcionam da maneira pela qual o ouro funcionava. Mas isso é revisionismo histórico.
Se funcionar como uma forma eletrônica de ouro —e não como uma forma eletrônica de dinheiro— fosse o objetivo inicial, a concepção das criptomoedas teria incluído uma base monetária elástica.
No entanto, o total de bitcoins que pode ser criado é finito, ao menos até agora.
E os preços que tomaram as manchetes no ano passado?
Duas notas de pesquisa, do JPMorgan e do Citi, estimaram que menos de US$ 10 bilhões em dinheiro real de investidores fluiu para todas as criptomoedas em 2017.
De lá para cá, os investidores de varejo provavelmente desistiram, o que explica a queda de preço depois do pico atingido na bolha de dezembro e janeiro.
O Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) estima que, no total, os sistemas de pagamentos e compensação do país processem 600 milhões de transações ao dia (em valor de US$ 12,6 trilhões, R$ 46 trilhões).
O bitcoin confirma 300 mil transações diárias, com valor agregado dúbio e aberto a debates, porque fatiar os dados pode ser difícil.
Outro desafio é que as Bolsas de moedas digitais têm um método de formação de preço medido com base em moedas oficiais reguladas.
Isso é problemático porque os contratos futuros de bitcoin nos Estados Unidos são compensados em dólares, e não pela entrega dos bitcoins subjacentes.
Compensar um contrato em um mercado profissional, diante de um índice de preços construído com base em, e derivado de, um mercado de varejo semirregulamentado, é um convite aberto a toda sorte de pilantragem.
A SEC destaca que essa falta crônica de transparência e vigilância não protege os investidores. Isso explica por que ainda não existem fundos de índices comercializados de bitcoin.
Medidas pelo dinheiro real, as bolhas das criptomoedas provavelmente se inflarão e esvaziarão outras vezes nos próximos anos.
É improvável que criptomoedas como o bitcoin se tornem a forma dominante de pagamento para usuários convencionais.