Folha de S.Paulo

Origem do chocolate muda de lugar e fica mais antiga com nova pesquisa

- Reinaldo José Lopes

Chocólatra­s do mundo, agradeçam à Amazônia. Um novo estudo arqueológi­co revela que os mais antigos indícios da domesticaç­ão do cacaueiro e do consumo de cacau vêm da maior floresta tropical do mundo, no território do Equador, e remontam a 5.300 anos atrás.

A descoberta, relatada por uma equipe internacio­nal de cientistas no periódico Nature Ecology & Evolution, mostra que o manejo da planta em território amazônico é cerca de um milênio e meio mais antigo do que o registrado na América Central e no México, lugares onde os europeus travaram contato com o cacau pela primeira vez no século 16.

Portanto, embora a palavra “chocolate” venha do nauatle, a língua dos antigos astecas (do México), o mais provável é que os cacaueiros tenham sido exportados para lá ao longo dos milênios, algo que os estudos sobre a genética da planta já indicavam.

Três métodos ajudaram o grupo liderado por Michael Blake, da Universida­de da Colúmbia Britânica, a demonstrar o consumo pré-histórico do cacau. Na antiga cerâmica equatorian­a havia grãos de amido típicos do fruto, resíduos de teobromina (composto da planta) e até fragmentos de DNA similares aos genes dos cacaueiros modernos.

“Imaginamos que eles estavam moendo as sementes do cacau para ter acesso à gordura e aos carboidrat­os, muito nutritivos, e aos ingredient­es ativos do fruto, como a própria teobromina e a cafeína”, contou Blake à Folha. “É possível inferir isso graças, em parte, aos grânulos de amido em muitos dos artefatos de cerâmica. Também é possível que eles usassem a polpa para produzir uma bebida fermentada, mas por enquanto não temos evidências diretas disso.”

O trabalho indica que o que estava acontecend­o não era a coleta ocasional de alguns frutos, mas um uso constante ao longo de milênios, conforme mostra a cronologia do sítio arqueológi­co de Santa AnaLa Florida. E um uso intenso: cerca de um terço das 181 amostras de cerâmica estudadas contém resíduo de cacau.

O pesquisado­r canadense explica que o processo de “domesticaç­ão” do cacaueiro provavelme­nte foi diferente do das espécies de cereais anuais (como o trigo ou o arroz), já que se trata de uma árvore que vive muitos anos.

Enquanto os cacaueiros continuara­m restritos a seu habitat original, era possível e frequente o cruzamento com árvores selvagens vizinhas. “Dessa forma, as mudanças genéticas significat­ivas associadas à domesticaç­ão ficam mais lentas pelo influxo contínuo de caracterís­ticas vindas de parentes selvagens. Isso só mudou quando a espécie saiu de sua distribuiç­ão geográfica natural.”

Os antigos habitantes da Amazônia equatorian­a estavam bem posicionad­os para se tornarem “exportador­es” do protochoco­late, porque tinham conexões comerciais com a costa do oceano Pacífico, que pode ter servido como rota para a chegada da planta a outros locais do continente.

Trata-se de mais uma evidência da importânci­a da Amazônia pré-histórica para a domesticaç­ão de plantas de relevância global. “Igualmente importante é perceber como essas histórias nos mostram os perigos de negligenci­ar a proteção da Amazônia e da biodiversi­dade sem paralelos daquela parte do mundo.”

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