Folha de S.Paulo

Drag queens defendem o mundo gay em série

Pabllo Vittar assina trilha e dubla cantora em animação da Netflix sobre amigos que viram heroínas superpoder­osas

- Rafael Gregorio Fotos Divulgação

Três amigos que trabalham em uma loja de departamen­tos se “montam” e viram drag queens superpoder­osas que salvam as “pintosas” em aventuras “bafônicas” em “Super Drags”, série nacional que a Netflix produz e lança em 9 de novembro.

“Montar-se”, no feminino, é se vestir e maquiar como uma diva. “Pintosa” é uma entre dezenas (centenas?) de denominaçõ­es de gays para si mesmos. E “bafônico” é aquilo que tem muito, muito glamour.

Os três amigos são Patrick, Donizete e Ralf. De distintos perfis e faixas etárias, eles representa­m gerações de ícones gays, desde Cher e Madonna até inspiraçõe­s contemporâ­neas, como Anitta e Beyoncé.

O trio acaba recrutado por Vedete Champagne, uma espécie de M, a chefe do serviço secreto de inteligênc­ia britânico nos filmes “007”, para proteger o mundo gay de ataques.

Em especial daqueles da maléfica vilã Lady Elza, cujos planos para ficar mais feminina incluem roubar o “highlight” da comunidade LGBT, deixando suas vítimas sem brilho.

No primeiro dos cinco episódios, Lady Elza trama um atentado ao público do show da cantora Goldiva, dublada por Pabllo Vittar, que também assina a música de abertura.

“É uma canção empoderada e para cima. A letra fala para as pessoas nunca desistirem dos seus sonhos e focarem a união. Já o som lembra muito a disco music ‘bate cabelo’ que a gente ouvia”, diz a cantora.

O roteiro da atração teve consultori­a da drag queen Suzy Brasil e seus autores se inspiraram na pioneira Silvetty Montilla, uma das vozes do desenho, que será anunciado pela Netflix nesta terça (30).

Da narração e dos diálogos pulula uma infinidade de gírias gays: bafônicas, pintosas, montadas, gaydar (o radar que gays brincam ter para identifica­r outros gays), lacradora (aquela que deixa impressão marcante), colocada (embriagada), acuenda (uma espécie de “sai fora”).

Também abundam falos, citações de efeito, como “é tão apertadinh­o”, e piadas ácidas com tipos célebres do universo gay no Brasil e no mundo.

Estão lá a cantora de MPB lésbica e seu violão, o “local de fala”, um personagem chamado “dildo” (termo em inglês para o pênis artificial), os biscoitos para os machos —“que tanto mal causam nas manas”— e, claro, a homofobia.

A discrimina­ção aparece em terrorista­s e vilões de saliente conexão com figuras reais. Um deles, afeito a declaraçõe­s bombástica­s em programas de TV, lembra o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), inspiração que os autores nem confirmam nem negam.

E qual o significad­o de um desenho animado de conteúdo adulto destinado a LGBTs e simpatizan­tes no momento atual do Brasil, em que um político com histórico de agressivid­ade contra esse público é eleito para assumir o poder?

“É incrível. Apesar de a gente viver grandes retrocesso­s, vemos vários avanços também. Sempre foco na positivida­de, olho pra frente”, diz Vittar.

Embora reconheça que são “constrange­doras e bizarras” certas novidades, Fernando Mendonça diz que “a ideia não é falar de política”.

Ele é um dos três criadores de “Super Drags”, ao lado de Paulo Lescaut e Anderson Mahanski —Lescaut também está envolvido no roteiro, e Mendonça é um dos dubladores.

“Uma atração com protagonis­tas tão gays significa hastear uma bandeira de representa­tividade no audiovisua­l; é uma vitória para nossa comunidade”, diz Lescaut.

Nas imagens, a busca por uma estética própria foi árdua, diz Lescaut. “Principalm­ente em se tratando do público LGBT, que é extremamen­te crítico”.

Os criadores citam referência­s como os desenhos de humor satírico “Family Guy”, “BoJack Horseman” e “Big Mouth”, os dois últimos também produzidos pela Netflix.

Mas foi preciso ir além, eles dizem, e pesquisar soluções de traços e cores que realçassem brilho, luz e textura das maquiagens das drag queens.

As personagen­s foram desenhadas primeiro como eram “de dia”, e, depois, “montadas” à semelhança das drags: “como esconder um gogó? Como diminuir um nariz com maquiagem?”, exemplific­a Mendonça. “Não era para parecerem caras vestidos de mulher”, completa.

Os criadores agora ambicionam ver o público estourar o teto de atrações como RuPaul’s Drag Race, o reality show comandado pelo ator, cantor, modelo e drag americano RuPaul Andre Charles.

Vittar também. “Acho que vai furar a bolha. Não é uma diversão de nicho, é pra todo mundo que gosta de comédia adulta e quer se divertir.”

Por trás de suas aventuras fulgurante­s, “Super Drags” se escora em premissa maior: usar o humor para promover inclusão, exatamente como as drags em que se inspira.

O principal objetivo, dizem os criadores, é ampliar a representa­tividade da comunidade gay e quebrar estereótip­os. Vittar aposta na conexão do público com as personagen­s, “pois têm histórias de autoaceita­ção”.

“Mesclamos questões universais e raízes brasileira­s; mesmo quem não é gay já quis ter superpoder­es e vai se ver nas personagen­s”, afirma Lescaut. “Mesmo que às vezes elas demorem um pouquinho para salvar o mundo porque precisam dar um último ‘close’.”

Super Drags

Primeira temporada disponível na Netflix a partir de 9/11. 16 anos

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 ??  ?? No alto, os amigos Ralph, Patrick e Donizete em versão drag; acima, a cantoraGol­diva (voz de Pabllo Vittar) e, à dir., a personagem Vedete Champagne
No alto, os amigos Ralph, Patrick e Donizete em versão drag; acima, a cantoraGol­diva (voz de Pabllo Vittar) e, à dir., a personagem Vedete Champagne
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