Folha de S.Paulo

Filme ‘Um Trem em Jerusalém’ apresenta diretor Amos Gitai em sua melhor forma

- Inácio Araujo Divulgação

Um Trem em Jerusalém

(A Tramway in Jerusalem). Israel, França, 2018. 14 anos. Direção: Amos Gitai. Mostra: Ter. (30), às 19h50, no Itaú Frei Caneca 3. A vantagem de Amos Gitai é que ele sempre encontra uma forma original de mostrar as coisas. No seu “Um Trem em Jerusalém”, por exemplo, tudo é muito simples e ao mesmo tempo muito surpreende­nte.

Estamos em um bonde que roda pela cidade. Não qualquer cidade, mas a cidade santa de três grandes religiões. Um ponto de encontro?

Um pouco mais: “uma promessa”, acreditava Flaubert, que a visita aos 29 anos. E logo depois uma decepção para o autor de “Madame Bovary”.

Talvez Gitai ache a mesma coisa da cidade que, incorporad­a à Israel, foi estabeleci­da como capital nacional pelo governo Netanyahu. Um desses gestos típicos do primeiromi­nistro: para os árabes, uma afronta; para a ONU, uma ameaça à paz; para os palestinos mais uma afronta.

Amos Gitai, também israelense, olha para as pessoas que frequentam a cidade: israelense­s, trabalhado­res árabes, turistas, religiosos, não religiosos, um casal que briga, uma mãe judia que oferece comida a todos e quase implora ao filho que lhe dê um neto.

Escuta várias línguas: o hebraico, o árabe, o iídiche, o inglês, o francês. Cada um com seus dramas, cada um com sua alegria, pode-se pensar.

Mas não tão depressa. Seria a paz de um Estado teocrático, que se rege pela Bíblia? Foi ao menos o que disse Netanyahu ao proclamar a nova capital. É complicada a vida nos países regidos por um Deus, pois Deus não tem o hábito de falar: os intérprete­s falam por ele e não é demais imaginar que se apropriem dele.

O corolário inevitável disso é uma espécie de paz muito particular. Quando um árabe entra no bonde e fica perto de uma moça israelense, ela não hesita em chamar o segurança.

Opressivo, sem dúvida. Mas Gitai não se fixa só no evento, ele leva sua câmera ao rosto da moça: por que o pavor? Viria de uma paranoia? De racismo puro e simples?

Eis o salto que o filme nos proporcion­a: estamos no cotidiano mais corrente (uma condução pública, frequentad­a por quem apareça), mas é como se o diretor perguntass­e o que existe por trás de cada rosto, de cada idioma.

Existe tolerância e intolerânc­ia, convivênci­a e apartheid, mas também a promessa de um futuro comum. Promessa como a de que falava Flaubert. E a espera suspensa entre a esperança de um convívio possível entre árabes e israelense­s e a cotidiana decepção de um fosso que se aprofunda sempre mais.

É obra de um grande artista de volta à sua melhor forma.

 ??  ?? Cena de ‘Um Trem em Jerusalém’, do cineasta israelense Amos Gitai
Cena de ‘Um Trem em Jerusalém’, do cineasta israelense Amos Gitai

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil