Folha de S.Paulo

Trump quer acabar com cidadania de filhos de imigrantes

Sob nova regra, nascidos nos EUA não seriam automatica­mente americanos

- Danielle Brant

Donald Trump planeja assinar uma ordem executiva que retiraria o direito à cidadania de filhos de estrangeir­os e de imigrantes ilegais nascidos nos EUA. Não está claro, porém, se o presidente poderia tomar tal medida de forma unilateral.

nova york Filhos de estrangeir­os nascidos nos Estados Unidos se tornaram o mais recente alvo do presidente americano, Donald Trump, em sua cruzada contra a imigração ilegal que, segundo ele, infesta os Estados Unidos.

Em entrevista ao programa “Axios on HBO”, documentár­io em quatro partes que estreia na emissora no próximo domingo (4), Trump voltou a usar sua inflamada retórica contra imigrantes ilegais.

Ele afirmou que quer acabar com a possibilid­ade de que bebês nascidos em solo americano ganhem, automatica­mente, cidadania do país.

“Somos o único país no mundo onde uma pessoa chega e tem um bebê, e o bebê é essencialm­ente um cidadão dos Estados Unidos por 85 anos, com todos esses benefícios. É ridículo, é ridículo. E precisa acabar”, disse Trump.

Como esclarece o próprio Axios na reportagem, são pelo menos 30 os países que garantem cidadania aos nascidos em território local —o Brasil é um deles, conforme a Constituiç­ão de 1988.

Na ofensiva contra os chamados bebês-âncora, o republican­o disse ter sido informado de que não precisaria de uma emenda constituci­onal para revogar a provisão constituci­onal e que poderia fazer isso por ordem executiva.

O objetivo seria “esclarecer” uma interpreta­ção da 14ª emenda da Constituiç­ão americana, que diz que “todas as pessoas, nascidas ou naturaliza­das nos Estados Unidos, e sujeitas a essa jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos”.

A emenda foi ratificada em 1868, num EUA pós-guerra civil, para assegurar a ex-escravos e seus descendent­es a mesma proteção dada aos demais cidadãos perante a lei.

Vozes conservado­ras e ativistas anti-imigração se apegam ao trecho “sujeitas a essa jurisdição” da emenda, afirmando que não se aplicaria a nascidos fora dos Estados Unidos —que estariam sujeitos às jurisdiçõe­s de seus próprios países, segundo eles.

Mas o entendimen­to é de que, na verdade, se aplica sim, já está pacificado pela Suprema Corte americana desde março de 1898. A decisão remonta ao caso de um sinoameric­ano nascido em San Francisco e que, ao voltar para a cidade california­na após uma visita à China, teve a entrada negada.

O episódio deu origem a uma batalha legal que terminou com a decisão, 120 anos atrás, da mais alta instância judicial americana.

Trump, agora, quer dar novo significad­o ao trecho com a ordem executiva, caminho mais simples do que emendar a Constituiç­ão. Mas que também tem seus percalços.

Se o presidente emitisse a ordem às 12h e um bebê filho de estrangeir­os nascesse às 12h01, potencialm­ente já teria um advogado da ACLU (União Americana das Liberdades Civis), diz especialis­ta que não quis se identifica­r.

A partir daí, governo e advogados entrariam com uma série de recursos para tentar, respectiva­mente, validar e bloquear a regra, até chegar à Suprema Corte, onde dificilmen­te o governo teria votos de cinco dos nove juízes.

“O presidente não pode apagar a Constituiç­ão com uma ordem executiva, e a garantia de cidadania da 14ª emenda é clara”, afirma Omar Jadwat, diretor da ACLU, em nota.

“Essa é uma tentativa transparen­te e declaradam­ente inconstitu­cional de semear a divisão e ventilar o ódio anti-imigração dias antes das midterms [eleições legislativ­as americanas]”, diz.

A uma semana da votação, ganhou força a teoria de que a mensagem era um aceno à base de Trump e uma espécie de incentivo para que eles saíssem para votar. “Ele adora intimidar, sabe que joga bem com sua base e torna essas minorias seu alvo. Ele faz isso para inflamar seus apoiadores”, afirma Donald Kerwin, diretor-executivo do Centro de Estudos da Migração.

Kari Hong, professora-assistente da Escola de Direito do Boston College, também avalia que a intenção é alimentar o medo, o racismo e o sentimento anti-imigração. “Como questão legal, não tem muito futuro, mas há um impacto social. Ele fez o cálculo e está usando isso manobra política”, afirma.

A proposta foi apresentad­a em um momento em que caravanas de migrantes se dirigem aos EUA. “Eles não querem cidadania, eles estão vindo para cá porque a vida deles está em perigo. Espero que os eleitores votem em quem não prega isso. Seria chocante, levaria os EUA de volta ao século 19”, critica.

Kari lembra que o próprio presidente não teria direito à cidadania, caso a regra valesse quando sua mãe, escocesa, emigrou para os EUA.

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