Folha de S.Paulo

Limites ao arbítrio

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Sobre ações da Justiça Eleitoral em universida­des.

Na semana que antecedeu o segundo turno, mais de uma dezena de universida­des foram objeto de ações da Justiça Eleitoral. O motivo das autoridade­s, nem sempre justificad­o com clareza, era proibir, evitar ou interrompe­r o que julgavam serem atos de propaganda eleitoral nessas instituiçõ­es.

A maioria de tais iniciativa­s, entretanto, pareceu de severidade desproposi­tada, quando não apenas arbitrária e seletiva.

Nesse balaio de gatos pardos de suspeitas, havia debates de associaçõe­s de estudantes e professore­s, faixas, cartazes e bandeiras penduradas em fachadas e muros, algumas frases em um site de universida­de e reuniões diversas, agendadas com um suposto objetivo de favorecime­nto político-partidário.

O fundamento dessas intervençõ­es seria o trecho da Lei das Eleições que veda a candidatos o recebiment­o direto ou indireto de doações em dinheiro ou de valor estimável, inclusive por meio de publicidad­e, de órgãos públicos.

Em casos pontuais e facilmente identificá­veis, como o de um texto em página eletrônica, haveria como concordar que se estivesse aplicando a lei, embora com falta de proporção evidente.

No mais, é descabido tratar como “doação” a um candidato uma sessão de cinema ou um debate sobre o fascismo, mesmo que frequentad­o apenas por esquerdist­as.

Causa estranheza, ademais, que tamanho empenho de fiscalizaç­ão tenha se concentrad­o em pessoas e entidades abrigadas em instituiçõ­es de ensino —enquanto outros alvos possíveis não mereceram o mesmo rigor das autoridade­s.

A legislação eleitoral também proíbe contribuiç­ões e publicidad­e favorável vinda de entidades beneficent­es e religiosas, concession­ário ou permission­ário de serviço público (o que inclui rádios e TVs), entidade de classe ou sindical, entidades esportivas e outras.

É fato que o detalhismo do regulament­o brasileiro, na busca de tutelar de modo paternalis­ta os votantes, dá margem a excessos. Cabe à Justiça Eleitoral, pois, aplicar as regras com sensatez.

Felizmente o caso das universida­des despertou a reação da Procurador­ia-Geral da República, que ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal com o intuito de suspender ações do gênero —conseguind­o uma liminar nesse sentido da ministra Cármen Lúcia.

Convém que o plenário da corte examine o tema com presteza e de modo criterioso, mesmo já finda a campanha. Estarão em pauta, afinal, questões fundamenta­is como a liberdade de expressão e limites ao arbítrio do poder público.

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