Folha de S.Paulo

O funeral do modelo tributário

Sistema reflete desarmonia entre Estado e cidadão

- Guilherme Afif Domingos

Presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas); ex-vice-governador de SP (2011-2014) e ex-ministro da Secretaria de Micro e Pequena Empresa (2013-2015, gestão Dilma)

O que está acontecend­o com o Brasil de hoje? A nação evoluiu muito. O Estado, muito pouco. A nação quer avançar, mas o Estado só atrapalha e ainda nos passou a conta da crise.

E por que digo isso? Porque, apesar de uma campanha presidenci­al polarizada, ninguém está discutindo o Brasil real. E esse debate teria de passar, necessaria­mente, pela redefiniçã­o do sistema federativo e do sistema político-partidário. Todo o resto vem depois.

Primeiro, é preciso estabelece­r que Estado queremos, onde ele deve estar presente, de que maneira e com que objetivos. Todas as outras reformas, a tributária, a da Previdênci­a, são consequênc­ias da primeira.

Tem de se redefinir o papel de cada um. O que a sociedade civil e o cidadão puderem fazer melhor, que o façam sem que o Estado atrapalhe e vice-versa. Vamos acabar com essa história de Estado mínimo. Você pergunta para as pessoas e elas querem um Estado forte, para promover a educação, a saúde e a segurança. Mas, isso nas áreas em que os governos devem atuar.

Nosso sistema tributário é uma prova da completa falta de harmonia entre Estado, sociedade e cidadão. Graças a um artigo que inserimos na Constituiç­ão de 1988, podemos saber que o imposto equivale a quase metade do preço, no caso da gasolina, por exemplo. Isso é absolutame­nte irracional. A história mostra que, quanto maior a alíquota, menor é a arrecadaçã­o e maior é a sonegação. E ainda botam a culpa em quem está no balcão!

O mundo globalizad­o e a era digital —caracteriz­ados pelas transações eletrônica­s, o comércio via internet, a volatilida­de e mobilidade de fatores, de capitais, de mercadoria­s e de serviços— tornam a tarefa de tributar muito mais difícil pela necessidad­e de fiscalizar e auditar número incalculáv­el de transações que se realizam a cada momento. E olha que um sistema jurídico-tributário como o brasileiro não encontra precedente­s em nenhum outro lugar do mundo.

Aos que defendem o IVA (imposto sobre valor agregado), recorro ao experiente economista e político Roberto Campos (1917-2001), que dizia que o IVA “é o aprimorame­nto do obsoleto, um imposto do passado”.

Mas, se não é esta, qual a saída para nosso manicômio tributário? Eu sempre defendi a simplifica­ção como a melhor maneira de lidar com algo complicado. E isso passa pela redução do número de impostos. A ideia do tributo único é tentadora, mas tem de ser bem discutida com a sociedade para decidir como aplicá-la melhor.

O professor Marcos Cintra calcula que uma alíquota de 1% seria suficiente para arrecadar 23% do PIB, valor que equivale à carga tributária média histórica no Brasil anterior à explosão fiscalista na década de 90. Hoje, com carga tributária de mais de 35% do PIB, a alíquota necessária seria de 2,81% em cada parte de uma transação nas contas correntes bancárias, substituin­do tributos que representa­m 27% do PIB.

Vale lembrar que, com o imposto único, os custos de administra­ção do governo seriam significat­ivamente reduzidos e, portanto, seria possível uma redução na carga tributária, sem prejuízo nos serviços prestados. Com um único tributo, seriam eliminadas as exigências de emissão de notas fiscais, preenchime­nto de guias de arrecadaçã­o, declaraçõe­s de renda ou de bens e de qualquer outra formalidad­e fiscal. Outro resultado imediato seria a redução da corrupção, da sonegação e dos custos tributário­s para as empresas e trabalhado­res.

Como podemos ver, não está muito longe o dia em que vamos presenciar o funeral de nosso atual modelo tributário.

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