Folha de S.Paulo

Procurador­ia no DF investiga caso de funcionári­a fantasma

Folha revelou que contratada como assessora de Bolsonaro vendia açaí no RJ

- Camila Mattoso e Ranier Bragon

A Procurador­ia da República do Distrito Federal investiga a suspeita de ato de improbidad­e administra­tiva no caso da funcionári­a fantasma do gabinete do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), presidente eleito no domingo (28).

O caso, revelado pela Folha, está sob responsabi­lidade do procurador João Gabriel Morais de Queiroz. A investigaç­ão corre sob sigilo desde o começo de setembro.

Se houver conclusão de que o parlamenta­r cometeu algum ilícito, ele deve ser acionado pelo Ministério Público.

A condenação por improbidad­e pode ter penas como a perda de bens obtidos ilicitamen­te, ressarcime­nto dos danos materiais, perda da função pública, suspensão de direitos políticos, multas e proibição de contratar com o poder público.

A Procurador­ia pediu esclarecim­entos para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ainda não respondeu. Procurada pela Folha, a assessoria de Bolsonaro não se manifestou sobre a investigaç­ão até a conclusão desta reportagem.

A Folha revelou em janeiro que Bolsonaro usou dinheiro da Câmara dos Deputados para pagar o salário da assessora Walderice Santos da Conceição, que vendia açaí na praia e prestava serviços particular­es a ele em Angra dos Reis (RJ), onde tem casa de veraneio.

A reportagem voltou ao local em 13 de agosto e comprou com a secretária parlamenta­r de Bolsonaro um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara dos Deputados.

Após esta segunda visita da

Folha, a secretária parlamenta­r foi exonerada.

Desde a primeira reportagem, publicada em 11 de janeiro, Bolsonaro vem dando diferentes e conflitant­es versões sobre a assessora para tentar negar, todas elas não condizente­s com a realidade.

O caso foi mencionado novamente por ele em entrevista ao Jornal Nacional nesta segunda-feira (29).

Segundo Bolsonaro, a assessora estava em férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez, em janeiro. Ele não disse, porém, que a Folha retornou ao local em agosto.

“Tem uma senhora de nome Walderice, minha funcionári­a, que trabalhava na vila histórica de Mambucaba, e tinha uma lojinha de açaí. O jornal

Folha de S.Paulo foi lá neste dia 10 de janeiro fez uma matéria e a rotulou de forma injusta como fantasma. É uma senhora, mulher, negra e pobre. Só que nesse dia 10 de janeiro, segundo boletim administra­tivo da Câmara de 19 de dezembro, ela estava de férias”, disse.

A primeira visita do jornal ao local foi em 11 de janeiro, durante o recesso parlamenta­r. Na ocasião, a reportagem ouviu de diversos moradores, em conversas gravadas, que Walderice não tinha ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamenta­r e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu, em uma loja que inclusive leva o seu nome, “Wal Açaí”.

Segundo pelo menos quatro depoimento­s gravados com moradores da região, o marido dela, Edenilson, era caseiro do imóvel de veraneio do então deputado, que mora na Barra Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

As portas do estabeleci­mento “Wal Açaí”, na mesma rua, foram fechadas às pressas assim que se espalhou a informação sobre a presença de repórteres na região.

Neste dia, a Folha encontrou com Bolsonaro, por acaso, no local e convidou o jornal a visitar a sua casa —quem estava com chaves era exatamente o marido de Walderice.

Na ocasião, Bolsonaro deu diversas explicaçõe­s sobre a funcionári­a, mas em nenhum momento disse que ela estava de férias, argumentaç­ão que veio meses depois.

Na segunda oportunida­de, em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara. O presidente eleito omitiu essa informação na entrevista ao Jornal Nacional.

À reportagem Walderice afirmou naquele dia trabalhar no local todas as tardes. Antes de se identifica­r, repórteres da Folha conversara­m com Walderice na pequena loja de açaí onde ela trabalha. Ela chegou a comentar o debate da TV Band em que o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, questionou Bolsonaro sobre o assunto.

“Ele [Boulos] disse que o Jair tinha uma funcionári­a fantasma.” Em resposta à pergunta da Folha sobre quem era, Walderice afirmou: “Sou eu.”

Minutos depois de os repórteres se identifica­rem e deixar a cidade, ela ligou para a sucursal da Folha em Brasília afirmando que iria se demitir do cargo.

O então candidato confirmou sua demissão e disse que o “crime dela foi dar água para os cachorros”.

Segundo as regras da Câmara, a pessoa que ocupe o cargo de secretário parlamenta­r, o caso de Walderice, precisa trabalhar exclusivam­ente para o gabinete no mínimo oito horas por dia.

A secretária figurou desde 2003 como funcionári­a do gabinete de Bolsonaro, em Brasília. Seu último salário bruto foi de R$ 1.416,33.

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