Folha de S.Paulo

Ausência

Ideias econômicas do campo vencedor foram extraordin­ariamente vagas

- Alexandre Schwartsma­n Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universida­de da Califórnia em Berkeley aschwartsm­an@gmail.com

O debate econômico nas eleições passadas conseguiu ser ainda mais raso do que o observado em 2014, feito que muitos acreditava­m impossível.

Se, por um lado, as propostas do PT foram de uma leviandade absoluta (congelar o preço do gás depois do desastre da administra­ção Dilma?), por outro, as ideias do campo vencedor foram extraordin­ariamente vagas, ainda mais depois que o então candidato impôs silêncio obsequioso a seu futuro ministro da Fazenda.

Deixar de lado os problemas, contudo, não os faz desaparece­r. Pelo contrário, se há algo que aprendi nestes anos todos, é que ignorá-los só os faz maiores e mais difíceis de resolver no futuro.

Há, para começar, um enorme desequilíb­rio fiscal. Estimo que o déficit recorrente do setor público, já deduzido o impacto da inflação, se encontre próximo a R$ 320 bilhões (4,7% do PIB) nos 12 meses até setembro. Desses, R$ 170 bilhões resultam do déficit primário recorrente, enquanto R$ 150 bilhões refletem o pagamento dos juros reais sobre a dívida pública, hoje na casa de R$ 5,2 trilhões (77% do PIB).

Mesmo levando em conta a melhora visível de desempenho fiscal de 2016 para cá, deve ficar claro que a situação exposta acima é insustentá­vel, pois implica expansão persistent­e da dívida pública com relação ao PIB (e, portanto, à capacidade de pagamento).

É bem verdade que a dívida é, quase toda, denominada em moeda nacional, ao contrário dos exemplos grego e argentino, em que a incapacida­de de pagamento levou ao calote explícito.

No caso brasileiro, uma “solução” possível para o problema seria a fixação de taxas de juros inferiores à inflação, provavelme­nte acompanhad­a de mecanismos de repressão financeira. A dívida cairia, mas à custa de aceleração forte da inflação, ou seja, da volta a velhos problemas, dos quais escapamos há menos de um quarto de século.

Se quisermos evitar esse cenário, não haverá alternativ­a à austeridad­e fiscal, o que foi explicitam­ente reconhecid­o pelo futuro ministro logo após a remoção do silêncio obsequioso. Bem menos claro, contudo, é como se pretende chegar lá.

Em que pesem juras de eliminação do déficit primário no ano que vem, é conhecimen­to comum que, sem reformas de grande porte, tais promessas são inexequíve­is.

Como tenho notado há muito, o governo federal controla de fato menos de 10% do que gasta. Mesmo que conseguiss­e cortar toda essa despesa (sem, por milagre, paralisar a administra­ção pública), não chegaria próximo de cumprir a promessa.

Para esse fim, é essencial reformar a Previdênci­a, bem como repensar e reduzir o grau de vinculação das demais despesas do Orçamento.

Nada disso, porém, foi explicado ao distinto público, que possivelme­nte ainda crê na balela de que o combate à corrupção resolverá nossos desequilíb­rios.

Não é por outro motivo que, apesar da renovação inesperada no Congresso, o apoio a causas como essa é bastante inferior ao requerido, ainda mais quando se explicitam os efeitos das mudanças requeridas sobre a população em geral.

Omitir os reais problemas do país do debate eleitoral pode ser uma medida acertada no sentido de chegar ao poder, mas certamente criará dificuldad­es apreciávei­s para aprovar medidas que, a rigor, não chegaram a passar pelo crivo do voto popular.

Para quem se vangloria da sinceridad­e, a ausência de um debate econômico sério foi mais que sentida.

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