Folha de S.Paulo

Provas frágeis podem anular júris da maior chacina de SP

Promotoria vê falha em 2 das 4 condenaçõe­s pela morte de 17 pessoas em 2015

- Rogério Pagnan

O Ministério Público de São Paulo quera anulação do júri que condenou o cabo da Polícia Militar Victor Cristilder dos Santos a 119 anos de prisão pela suposta participaç­ão na chacina de Osasco e Barueri, na Grande SP, que deixou 17 mortos em agosto de 2015, a maior chacina da história do estado.

Essaéaseg unda manifestaç­ão da Promotoria nesse sentido. Em julho, o Ministério Público já havia opinado pela anulação do júri do guarda municipal Sérgio Manhanhã por considerar nula a principal prova contra ele —uma troca de mensagens.

Em 2015, logo após a chacina, as suspeitas recaíram sobre as forças de segurança porque, dias antes, um PM e um guarda municipal foram mortos por criminosos durante assaltos nessas duas cidades.

Em setembro do ano passado, foram condenados apenas que, juntas,ul trapassam 600 anos de prisão os policiais militares Fabrício Eleutério e Thiago Henklain, além do guarda Manhanhã.

Em março, em julgamento separado, o cabo Cristilder foi condenado a 119 anos de prisão por participaç­ão em 12 homicídios consumados e outras quatro tentativas naquele dia de agosto de 2015.

As novas manifestaç­ões do Ministério Público podem levara um desmoronam­ento em série de provas.

Segundo a denúncia original da Promotoria, os réus faziam parte de uma milícia que atuava na segurança de comerciant­es da região ena prática de crimes, como homicídios. Todos eles se conheceria­m por meio do PM Cristilder, que seria chefe da segurança de um supermerca­do de Carapicuíb­a.

O posicionam­ento sobre Cristilder ocorreu na semana passada. Para a procurador­a Iurica Tanio Okumura, responsáve­l pelo caso em segunda instância, a decisão dos jurados em condenar o PM contrariou as próprias provas existentes no processo.

“Por tudo isso, a nosso ver, a cassação do veredicto e consequent­e determinaç­ão de novo julgado se impõe, por não encontrar apoio algum nos elementos probatório­s”, diz trecho de sua manifestaç­ão.

Um dos pontos abordados pelapr oc ura doraéa versão de uma testemunha sob proteção, chamada de Beta, que tornou-se a coluna cervical de toda a denúncia da Promotoria e que levou à condenação dos três PMs e do guarda.

Essa testemunha disse, por exemplo, que Cristilder era chefe de um serviço de segurança privada, que se tornou em uma organizaçã­o paramilita­r criminosa.

“[Acusações que] não passaram de informaçõe­s que não foram superadas por documentos ou depoimento­s. Aliás, o réu afirmou que é conhecido no bairro como Dedé, fato confirmado por testemunha [...] e que jamais teve apelido de ‘Boy’, mais um dado a desmentir o depoimento de Beta.”

Desembarga­dores do Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidirão se o júri deve ser ou não anulado, irão analisar nas próximas semanas esse novo posicionam­ento do Ministério Público, a quem caberia, em tese, solicitar a manutenção da pena.

Caso decidam pela anulação, o processo do PM volta à primeira instância para definição de data de novo julgamento. Nesse caso, o PM, preso desde 2015, deverá ser colocado em liberdade.

Também caberá aos desembarga­dores decidirem se a anulação do julgamento se estende aos outros três condenados. Um deles é o guarda Manhanhã, sobre o qual a Promotoria já tinha também manifestad­o em julho deste ano ser favorável à anulação do julgamento por entender que é nula a principal prova usada para condená-lo, que foram as trocas de mensagens de celular com o PM Cristilide­r na hora de chacina.

Para o procurador Carlos Henrique Mund, o acesso ao conteúdo dessas conversas deveria ser precedido de autorizaçã­o judicial.

O promotor Marcelo de Oliveira, que conseguiu a condenação dos quatro, disse não concordar com a avaliação dos colegas e que aguarda a manutenção das condenaçõe­s pelo TJ.

Sobre o caso do PM Cristilder , diz que “havia duas teses, e a maioria dos jurados optou pela tese sustentada pelo Ministério Público”. “Espero, serenament­e, que o Tribunal de Justiça mantenha, uma vez mais, a tese acolhida pelo Júri.” Sobre a decisão do guarda, disse que os “fatos seriam descoberto­s pelo interrogat­ório do Cristilder ainda que não houvesse a apreensão do celular do Manhanhã”.

Segundo a Promotoria, as principais evidências seriam três testemunha­s: uma reconheceu um dos PMs na chacina, uma viu outro PM na préchacina e a terceira diz que vizinho ouviu uma briga. Além disso, um dos PMs e o GCM trocaram mensagens de “positivo” antes e depois do horário da chacina, e parte de cápsulas apreendida­s eram de lote do Exército, onde Cristilder trabalhou.

Por outro lado, a acusação tinha uma série de fragilidad­es. Não há provas da ligação entre os quatro réus, contrarian­do a tese de formação de milícia, os relatos das testemunha­s apresentam contradiçõ­es e faltam evidências como armas, veículos e ligações em celular. Sobre as cápsulas, não há comprovaçã­o se elas foram desviadas no período que o cabo esteve no Exército.

Em agosto passado, uma investigaç­ão da PM disse não haver indícios suficiente­s para a corporação punir os policiais suspeitos. Também citaram a fragilidad­e da versão apresentad­a por Beta e de outros pontos da investigaç­ão.

O relatório final, produzido por oficiais da PM, põe em xeque a apuração conduzida na época pela força-tarefa do governo —da qual participar­am a Polícia Civil e a Corregedor­ia da própria PM, sob gestão Geraldo Alckmin (PSDB). Diz que ela foi apressada e chegou a desprezar provas “de que não foram eles os autores”.

O advogado de Cristilder, João Carlos Campanini, disse pretender mostrar aos desembarga­dores que não só a defesa é que vê problemas na condenação do PM.

Advogado de Manhanhã, Abelardo Julio da Rocha disse que a Procurador­ia reconhece, agora, tudo que a defesa vinha “pregando no deserto” havia três anos.

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Avener Prado - 14.ago.15/Folhapress Policiais fazem perícia em uma das cenas da chacina, em Osasco

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