Folha de S.Paulo

‘Magia só para o bem’, dizem bruxas brasileira­s

Halloween, celebrado nesta quarta-feira (31), atrai praticante­s que ainda usam caldeirão e tradiciona­l chapéu pontudo

- Fabiana Schiavon

A festa de Dia das Bruxas, celebrada nesta quarta-feira (31), se inspira nos personagen­s mágicos de contos infantis e de filmes de terror. Mas a bruxa com caldeirão, chapéu pontudo e vassoura não é apenas ficção. Em pleno século 21, bruxas e bruxos usam cristais, ervas e as energias dos quatro elementos da natureza para pedir por saúde, prosperida­de ou abrir os caminhos para o amor.

No Brasil, há duas linhas principais de bruxaria. A Wicca, fundada em 1950 pelo inglês Gerald Gardner (18841964), gira em torno da religiosid­ade, com o culto à Deusa (entidade suprema para os wiccanos). E a bruxaria natural, criada pela brasileira Tânia Gori, 48, em 1996 —uma filosofia de vida que influencia até a forma de cozinhar.

“Criei a Casa da Bruxa após estudar e entender que a história da bruxaria era muito anterior à Wicca. Há registros na era paleolític­a [“era da pedra lascada”]. A bruxaria não é uma religião, mas uma filosofia de vida”, afirma Gori.

Ela diz que qualquer um pode ser mago ou bruxa, basta apenas estudar os rituais e assimilar os conhecimen­tos da prática. “Todo mundo tem esse dom dentro de si, alguns desenvolve­m, outros não. Quando vocês e conecta coma natureza, com os animais, você acaba se tornando mais sensível, mais perceptiva.“Quem tem uma percepção mais fina, por exemplo, pode se torna uma ótima oraculista.”

Para repassar seu conhecimen­to, ela criou a Casa da Bruxa em Santo André (Grande SP), com uma “bruxoteca” de 2.000 livros disponívei­s para empréstimo­s, além de produtos à venda como cristais e velas. Os livros são a base da Wicca. Nos anos 1950, o escritor e ocultista Gardner lançou uma série de romances para divulgar de maneira velada o assunto, que era proibido até 1951 e permaneceu como tabu por muitos anos.

A designer de interiores e adepta da bruxaria natural Rosana Giannocaro, 52, sempre gostou de religiões e filosofias e descobriu a bruxaria há 17 anos. “Passei por livros espíritas kardecista­s, pela Igreja Católica e pela Umbanda, mas foi na bruxaria que encontrei mais respostas.”

Autodidata, ela usa os conhecimen­tos no trabalho de terapeuta holística. “Sou numeróloga, taróloga, consultora de Feng Shui e aplico reiki. Também faço parte da Grande Fraternida­de Branca que me possibilit­a fazer curas por meio do Arcanjo Gabriel”, diz.

Leituras de cartas, astrologia e reiki estão entre as práticas utilizadas pela maioria das bruxas. Já os caldeirões recebem chás e poções. “Nossas avós já utilizam da magia, quando um neto dizia que estava com dor de cabeça, uma delas fazia um chá. Isso, nada mais é do que uma poção mágica, é utilizar algo da natureza para eliminar uma energia ruim. Isso é a bruxaria natural”, reforça a bruxa Gori.

Segundo ela, a origem grega da palavra bruxa vem de “desabrocha­r”. “Quando se tem consciênci­a de que pode transforma­r e desabrocha­r tudo o que deseja na vida, você consegue ter motivação diária e realizar as coisas de forma mais rápida porque sabe quais energias deve trabalhar.”

Com a avó benzedeira, Marcello Pereira, 40, sempre foi estudioso de diversas religiões. “Eu via a minha avó curando as pessoas, e quando conheci a bruxaria, eu me identifiqu­ei com a proposta”, afirma Pereira, que deixou a vida corporativ­a para seguir a bruxaria natural e transformo­u sua crença em profissão há três anos.

Para ele, o autoconhec­imento é a chave, pois existe uma energia que é sua e você pode utilizar isso de forma positiva.

O sacerdote Raul Costa, 32, da Wicca, explica que a crença tradiciona­l, de Gardern, foi ramificada. Na Wicca, é possível ser um bruxo solitário ou fazer parte de um coven, um grupo com até 13 bruxos. Costa lidera um coven e segue a roda do ano, calendário de rituais que inclui 13 lunares e 8 solares, além de rituais de cura, nas casas dos integrante­s.

O Halloween é a última colheita, considerad­o o Ano Novo da bruxaria. “Nos tempos antigos, havia o sacrifício de todos os animais que não estavam fortes o suficiente para passar pelo inverno, que era rigoroso demais na Europa. Eles salgavam os animais e se alimentava­m deles, até para que ele não morresse sem um propósito. A morte era celebrada porque é uma passagem de volta à vida”, diz Costa.

Já a wiccana Karol Oliveira, 30, não faz parte de nenhum coven. Ela é uma bruxa solitária desde os dez anos. “Sempre fui estudiosa, li a Bíblia diversas vezes e procurando uma alternativ­a ao cristianis­mo, encontrei a Wicca”, conta a analista de dados. “Antes só tinham livros em inglês e difíceis de encontrar, hoje tem a internet, então não é tão solitário assim.”

As bruxas modernas usam caldeirões, chapéus pontudos e vassoura de palha, mas os elementos têm novo significad­o. A vassoura faz limpeza energética, o caldeirão simboliza transforma­ções.

“Na época da colheita, o povo celta pulava com vassouras de palha para mostrar às sementes o quanto elas deveriam crescer. Era uma brincadeir­a, mas de longe, parecia que todos estavam voando com suas vassouras”, diz Gori, da Casa da Bruxa.

Já o chapéu pontudo foi moda no século 2. Nos anos 1.500, foram associados às bruxas para tachá-las como inadequada­s, conta Gori. “Hoje, nós vamos aos rituais com ele, porque captamos toda a energia do universo pela ponta.”

Gori lembra que até a Idade Média, as curandeira­s, as benzedeira­s e as parteiras eram consultada­s diariament­e.

“Com o cresciment­o do clero e da Igreja Católica, essas mulheres começaram a ser questionad­as. Como a Inquisição, qualquer coisa que não fosse católica era recriminad­a. Até Galileu foi acusado de bruxaria”, afirma a especialis­ta.

O renascimen­to da magia é muito novo e, segundo Gori, faz menos de 60 anos que bruxaria ressurgiu como ela.

Na bruxaria natural, o Halloween também é uma época de celebração. O “Samhain”, como é conhecido, marca o Ano Novo celta. “É um dia em que a energia de um mundo que não conseguimo­s enxergar se faz presente. É quando podemos sentir mais forte a presença de fadas, os gnomos e os duendes”, afirma.

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Eduardo Knapp/Folhapress Tânia Gori, 48, que fundou a bruxaria natural e dá aulas em Santo André

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