Folha de S.Paulo

Vírus da gripe pode facilitar ataque de bactéria da pneumonia

- Maria Fernanda Ziegler Agência Fapesp

A situação é relativame­nte comum, sobretudo no inverno. Primeiro surge uma gripe que não passa. Dias depois, a doença evolui para uma pneumonia.

A relação entre gripe e pneumonia, observada por profission­ais de saúde, teve agora seus mecanismos genéticos e celulares descritos por meio de estudo realizado com voluntário­s no Reino Unido.

Publicado na revista Nature Immunology, o artigo descreve pela primeira vez um mecanismo celular chave que controla a proliferaç­ão e o consequent­e transporte do pneumococo —a bactéria causadora da pneumonia— do nariz para o pulmão do paciente. Observou-se também que, em humanos, a inflamação causada pelo vírus da gripe prejudica a resposta imune inata no controle do pneumococo.

“A partir do entendimen­to e análise dos mecanismos celulares, genéticos e da resposta imune foi possível comprovar que as mortes associadas com a gripe estão mais ligadas à pneumonia que segue uma gripe do que à gripe em si”, disse Helder Nakaya, pesquisado­r do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatór­ias (Crid) —um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiado pela Fapesp— e da Faculdade de Medicina Tropical de Liverpool, no Reino Unido.

Isso porque, conforme observado no estudo, o vírus da gripe silencia a resposta imune inata, principalm­ente a ação dos monócitos, células responsáve­is por lidar com corpos estranhos como vírus e bactérias.

Para chegar a essa conclusão, o grupo convocou voluntário­s a serem infectados com o vírus atenuado da gripe e o pneumococo. O procedimen­to é permitido no Reino Unido e, durante o estudo controlado com o vírus atenuado, nenhum voluntário teve pneumonia de fato.

No lado brasileiro do estudo, foram analisados e interpreta­dos dados genéticos e celulares a partir da ferramenta de bioinformá­tica CEMiTool, desenvolvi­da na Faculdade de Ciências Farmacêuti­cas da Universida­de de São Paulo (USP) com apoio da Fapesp.

Os voluntário­s foram infectados com o vírus atenuado da gripe, contida na vacina Fluenz. Depois, bactérias da pneumonia foram injetadas no nariz. Durante estudo, realizado ao longo de um inverno, amostras de sangue, lavado nasal e células nasais dos voluntário­s foram coletadas.

“Para haver pneumonia, a bactéria precisa estar no pulmão. Só que essa mesma bactéria pode viver no nariz das pessoas por bastante tempo e não causar nenhum sintoma, principalm­ente em adultos saudáveis. Porém, principalm­ente em pacientes vulnerávei­s, a bactéria pode sair do nariz e ser transporta­da para o pulmão”, diz Daniela Ferreira, da Faculdade de Medicina Tropical de Liverpool e coordenado­ra da pesquisa.

Houve um aumento muito grande das bactérias no nariz provocado pelo vírus da gripe, pelo fato de ele silenciar algumas respostas imunes, como a ação dos monócitos de combater o pneumococo.

O grupo agora analisa a situação inversa: quando primeiro ocorre a infecção pela bactéria e depois pelo vírus.

O estudo contou também com o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates, do Medical Research Council, do Reino Unido, e da Capes.

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