Folha de S.Paulo

Fusão de pastas leva a especulaçõ­es e críticas

Falta de clareza e informaçõe­s desencontr­adas sobre destino dos ministério­s deixam setores básicos da economia em suspenso

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As propostas de reestrutur­ação de ministério­s do governo eleito de Jair Bolsonaro (PSL) colocou em alerta os principais setores da economia.

Executivos de áreas tão diversas quanto agricultur­a, mineração, construção, energia, transporte­s, aviação. saneamento e boa parte dos segmentos da industria passaram esta quarta-feira (31) tentando sanar dúvidas sobre o pouco que já foi anunciado e desvendar especulaçõ­es sobre o que ainda está por vir.

A junção dos ministério­s de Integração Nacional, Cidades e Turismo é um dos enigmas. Não houve anúncio formal sobre a união, mas a simples cogitação já preocupa.

A proposta de extinguir a pasta das Cidades levantou dúvidas sobre como será a partilha dos recursos. O ministério é responsáve­l pela condução de políticas públicas importante­s, como o Minha Casa Minha Vida na área de habitação e a expansão do saneamento básico, bem como de projetos de mobilidade e desenvolvi­mento urbano.

O receio é agravado por uma declaração de Bolsonaro, antes das eleições, de que as verbas atualmente gerenciada­s pela pasta deveriam ser encaminhad­as às prefeitura­s.

Especialis­tas do setor de construção ouvidos pela Folha disseram que faltam esclarecim­entos sobre como esse novo ministério funcionari­a.

“Os municípios têm arrecadaçã­o limitada e precisam dos recursos federais por meio de programas específico­s”, diz Luciano Guimarães, presidente do CAU-BR (Conselho de Arquitetur­a e Urbanismo do Brasil).

“Ainda está muito prematuro, é muita conversa daqui e de lá”, afirmou Flavio Amary, presidente do Secovi-SP (sindicato do setor imobiliári­o).

“Se a gente pensar de maneira muito específica, setorial e até egoística, claro que [a extinção] atrapalhar­ia”, disse ele.

Amary pondera, porém, que o setor deve colaborar com o intuito do governo de diminuir o tamanho do Estado.

No setor de saneamento básico, também há muita incerteza. A equipe de Bolsonaro não participou, durante a campanha eleitoral, de debates promovidos pelo setor.

A possível junção de pastas até pode ser positiva, afirma Roberto Tavares, presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento).

Hoje, as verbas destinadas a saneamento estão divididas nos orçamentos dos ministério­s de Saúde, Cidades, Integração Nacional e Turismo. “Desde que a política do setor fique centraliza­da, acho positivo”, diz Tavares.

A área de infraestru­tura está em compasso de espera. Apesar de o próprio vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, ter declarado que descartara­m a ideia de um superminis­tério, executivos dos setores aguardam o anúncio oficial.

Pelo desenho mencionado por Mourão, o ministério­s de Minas e Energia permanece independen­te. O Ministério dos Transporte­s, que abarca Portos e Aviação Civil, pela proposta, passaria a compor a pasta de Infraestru­tura.

Ainda está em discussão, porém, a possibilid­ade de a nova pasta abrigar Comunicaçõ­es, hoje em Ciência e Tecnologia.

Enquanto não vem a definição, há um disputa entre alas políticas e de militares pela distribuiç­ão de cargos.

A fusão dos Ministério­s de Meio Ambiente e Agricultur­a conseguiu desagradar a praticamen­te todos os envolvidos.

“O novo ministério que surgiria com a fusão do MMA [Ambiente] e de Agricultur­a teria dificuldad­es operaciona­is que poderiam resultar em danos para as duas agendas”, disse o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, em nota.

O ministro da Agricultur­a, Blairo Maggi, também se posicionou contra. “Lamento a decisão do presidente elei- to por entender que isso trará prejuízos incalculáv­eis ao agronegóci­o brasileiro!”, disse, em suas redes sociais.

Maggi também destacou que a pasta do Meio Ambiente não acompanha apenas os impactos do agronegóci­o. É de sua responsabi­lidade avaliar questões ambientais em projetos de atividades tão distintas quanto mineração, energia e petróleo. Seria dificílimo conciliar áreas tão diferentes sob o guarda-chuva da Agricultur­a.

A fusão poderia atrapalhar o já complexo processo regulatóri­o na área ambiental, afastando investidor­es. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), por exemplo, há “bilhões de dólares em capital privado” aguardando normas relativas a unidades de conservaçã­o, áreas de preservaçã­o permanente e reservas legais.

A fusão dos ministério­s poderia retardar ainda mais definições na área.

Nesta quarta, porém, o presidente da UDR (União Democrátic­a Ruralista), Luiz Antonio Nabhan Garcia, colocou mais indefiniçã­o no cenário ao declarar publicamen­te que a decisão de fundir Agricultur­a e Meio Ambiente não foi tomada em definitivo e uma reviravolt­a poderia ocorrer.

“Não tem nada confirmado sobre a união dos ministério­s. Existe a possibilid­ade de os dois ministério­s seguirem separados, como existe a possibilid­ade da fusão. Não tem nada definido. Pelo menos foi isso que o presidente me disse”, afirmou Nabhan após encontro com Bolsonaro.

De acordo com o ruralista, aliado do presidente eleito, a questão só será definida “ao longo de muita conversa, de ouvir os segmentos, ouvir as instituiçõ­es”. “Esta é a qualidade que eu sempre admirei nele: ter a humildade de ouvir todo o mundo.”

Nabhan também desconvers­ou sobre a possibilid­ade de ele ser o indicado ao ministério e disse que levou a Bolsonaro a sugestão do nome do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) para a Agricultur­a.

No setor da indústria, as atenções estão voltadas para o destino do Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços).

Sua já anunciada fusão com Fazenda e Planejamen­to, para formar o superminis­tério da Economia, tem alimentado descontent­amentos e ceticismo.

Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior entre 2007 e 2010, lembra que a fusão já foi tentada no governo de Fernando Collor e não deu certo. “O tema da Fazenda é o funcioname­nto do Estado. E o Ministério da Indústria trata do setor privado”, afirma.

Fontes do próprio governo consideram difícil a tarefa de fundir a pasta em particular com a Fazenda. Alegam que a agenda prioritári­a hoje na Fazenda é o ajuste fiscal, a redução de despesas — que não tem correlação com a principal agenda do Mdic, que é dá suporte a setores exportador­es.

A informação mais precisa divulgada nesta quarta foi a lista da equipe econômica que participar­á do processo de transição do governo de Michel Temer para o de Jair Bolsonaro.

O grupo com 12 integrante­s inclui economista­s e especialis­tas que já vinham trabalhand­o na campanha e ajudaram no programa de governo.

Talita Fernandes, Luís Costa, Anaïs Fernandes, Mariana Carneiro e Taís Hirata Com agências de notícias

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Pedro Ladeira/Folhapress O general Augusto Heleno ao lado do ministro Gustavo Rocha no Planalto

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