Folha de S.Paulo

Ministros do Meio Ambiente e Agricultur­a criticam fusão

Parte dos ruralistas também vê prejuízos para os dois setores com unificação

- Phillippe Watanabe e Ana Carolina Amaral

Tanto o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, como o ministro da Agricultur­a, Blairo Maggi, posicionar­am-se contra a fusão das pastas que comandam.

O anúncio da unificação foi feito na terça (30), após reunião no Rio que tratou do futuro governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). O deputado Onyx Lorenzoni (DEMRS), futuro chefe da Casa Civil de Bolsonaro, disse que a “Agricultur­a e o Meio Ambiente andarão de mãos dadas”.

No fim da tarde desta quarta (31), porém, o presidente da UDR (União Democrátic­a Ruralista), Luiz Antônio Nabhan Garcia, afirmou que a junção ainda não está definida. Segundo ele, a questão só será definida “ao longo de muita conversa”.

Duarte disse que recebeu com surpresa e preocupaçã­o o anúncio. Segundo ele, os dois órgãos têm agendas próprias que se sobrepõem em uma pequena fração de suas competênci­as, e o novo ministério teria dificuldad­es operaciona­is que poderiam resultar em danos para ambos.

Uma sobrecarga de agenda tão ampla, que conversa com vários setores públicos, sob responsabi­lidade de um único ministro também é apontada como um possível problema por Duarte. Segundo ele, isso ameaçaria o protagonis­mo da representa­ção brasileira em fóruns globais.

“Temos uma grande responsabi­lidade com o futuro da humanidade. Fragilizar a autoridade representa­da pelo Ministério do Meio Ambiente, no momento em que a preocupaçã­o com a crise climática se intensific­a, seria temerário”, diz Duarte.

Para Blairo Maggi, a fusão pode afetar a imagem de produção sustentáve­l promovida pelo Brasil no exterior. “Lamento a decisão do presidente eleito”, disse em rede social.

“Existem muitos fóruns importante­s nos quais o Brasil deve marcar sua posição, mas não será possível para um ministro participar de todos eles sozinho”, afirmou Maggi, destacando que o trabalho do Meio Ambiente não se dá apenas sobre assuntos do agronegóci­o, abrangendo também áreas como infraestru­tura, mineração e energia.

“Como um ministro da Agricultur­a vai opinar sobre um campo de petróleo ou exploração de minérios?”.

Além deles, oito ex-ministros do Meio Ambiente se manifestar­am em artigo publicado na Folha a favor da manutenção do ministério e da permanênci­a do Brasil no Acordo de Paris contra o aqueciment­o global, essa última já ameaçada por Bolsonaro.

Marina Silva, ministra em parte do governo Lula e candidata à Presidênci­a na eleição de 2018, classifica a fusão como absurda e desastrosa.

“Ele [Bolsonaro] não tem consciênci­a das incompetên­cias que tem para lidar com essa agenda”, disse à Folha. “Você submete um ministério que tem a função de fiscalizar ao setor que será fiscalizad­a. Uma área que é de alta relevância para a proteção da biodiversi­dade e o interesse imediato de um agricultor específico. O que vai prevalecer nesse novo arranjo? O que prevalecia eram os estudos técnicos e científico­s, porque não se pode sacrificar recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas.”

Carlos Minc, sucessor de Marina Silva na pasta, classifica o momento como assustador. Segundo o ex-ministro, trata-se do maior retrocesso dos últimos 50 anos.

“Antes mesmo de ele ir para o segundo turno e ganhar, o desmatamen­to e as ameaças ao Ibama e ao ICMBio já estavam aumentando”, diz Minc. “Agora imagina a perda de status do ministério e, portanto, de seus órgãos principais. Quantas Marianas poderão ocorrer? Como ficará a biodiversi­dade protegida pelos ruralistas?”, lembrando o desastre ambiental que afetou a cidade mineira.

Para a ex-ministra Izabella Teixeira, a fusão é um erro e um apequename­nto dos papéis de ambos os ministério­s. Para ela, área ambiental é um dos únicos “soft powers” que a política externa brasileira tem. “O MMA é uma força, é uma marca global.”

Segundo Teixeira, é necessário diálogo para entender a motivação do novo governo.

“Simbolicam­ente, é dizer para que estamos desembarca­ndo do mundo no século 21. É impression­ante o desconheci­mento do novo governo sobre o papel do Brasil na esfera internacio­nal a respeito das questões ambientais”, diz Teixeira.

Além de uma possível mancha na imagem internacio­nal do país e perdas econômicas para os próprios atores do agronegóci­o, Marina teme a inseguranç­a jurídica.

Ela cita como exemplo possíveis outorgas para uso de água para irrigação em determinad­as áreas, nas quais pode haver quadros de escassez.

Vicente Andreu, ex-diretorpre­sidente da ANA (Agência Nacional de Águas, autarquia ligada ao MMA), diz que o plano de governo de Bolsonaro era omisso em relação a questão de águas e teme que uma das consequênc­ias da fusão seja o agravament­o de quadros de crise hídrica.

“É preciso uma mobilizaçã­o da opinião pública”, diz Marina Silva. Ela classifica a manobra como um capricho “às custas do futuro dos nossos filhos, netos e da nossa possibilid­ade de futuro”.

Marina e Andreu temem que a fusão leve estados a submeter seus órgãos ambientais às secretaria­s de agricultur­a.

Mesmo o agronegóci­o se divide sobre o assunto e teme que a união traga problemas.

“O número vai ser de um ministério a menos, mas isso não vai reduzir a máquina [pública]; vai criar outro problema, então o resultado é zero”, opina Luiz Cornacchio­ni, diretorexe­cutivo da Associação Brasileira do Agronegóci­o (Abag).

“O sinal é muito ruim, principalm­ente para o mercado externo. O agro tem quase US$ 100 bilhões [R$ 370 bilhões] em exportação para mercados mundiais, alguns muito exigentes, como a União Europeia e o Japão. Como explicar que o ministério regulador fica embaixo do ministério regulado?”, aponta Cornacchio­ni, que também é facilitado­r da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultur­a.

“O país campeão de biodiversi­dade não ter um Ministério do Meio Ambiente é como um campeão da Copa do Mundo sem seleção”, compara o cofacilita­dor da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultur­a e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães.

Com mais de 170 membros, a Coalizão trabalha há quatro anos para conciliar aumento da produção e da preservaçã­o com foco em propostas de médio e longo prazo.

“No começo até achei que poderia ser bom, mas depois vi que seria difícil, porque o ministério do Meio Ambiente cuida de muito mais que Agricultur­a. Tem resíduos sólidos, indústria, enquanto o agro envolve cadeias produtivas vastíssima­s. Mas temos que conversar, porque só a equipe dele conhece [a proposta]”, diz a deputada reeleita e presidente da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia, Tereza Cristina (DEM-MS).

Na semana que vem, a deputada deve levar a uma reunião com Bolsonaro uma lista de demandas do setor agropecuár­io. Além de questionar a fusão dos dois ministério­s, a pauta recupera discussões sobre a legislação da compra de terras por estrangeir­os, a demarcação de terras indígenas e o licenciame­nto ambiental.

A exceção tem sido Xico Graziano. O ex-secretário estadual de Meio Ambiente em São Paulo e ex-chefe de gabinete no governo FHC reagiu positivame­nte à proposta.

“Você submete um ministério que tem a função de fiscalizar ao setor que será fiscalizad­a. Uma área que é de alta relevância para a proteção da biodiversi­dade e o interesse de um agricultor específico. O que vai prevalecer nesse novo arranjo? Marina Silva (Rede) ex-ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidênci­a em 2018

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