Ministros do Meio Ambiente e Agricultura criticam fusão
Parte dos ruralistas também vê prejuízos para os dois setores com unificação
Tanto o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, como o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, posicionaram-se contra a fusão das pastas que comandam.
O anúncio da unificação foi feito na terça (30), após reunião no Rio que tratou do futuro governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). O deputado Onyx Lorenzoni (DEMRS), futuro chefe da Casa Civil de Bolsonaro, disse que a “Agricultura e o Meio Ambiente andarão de mãos dadas”.
No fim da tarde desta quarta (31), porém, o presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Luiz Antônio Nabhan Garcia, afirmou que a junção ainda não está definida. Segundo ele, a questão só será definida “ao longo de muita conversa”.
Duarte disse que recebeu com surpresa e preocupação o anúncio. Segundo ele, os dois órgãos têm agendas próprias que se sobrepõem em uma pequena fração de suas competências, e o novo ministério teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para ambos.
Uma sobrecarga de agenda tão ampla, que conversa com vários setores públicos, sob responsabilidade de um único ministro também é apontada como um possível problema por Duarte. Segundo ele, isso ameaçaria o protagonismo da representação brasileira em fóruns globais.
“Temos uma grande responsabilidade com o futuro da humanidade. Fragilizar a autoridade representada pelo Ministério do Meio Ambiente, no momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, seria temerário”, diz Duarte.
Para Blairo Maggi, a fusão pode afetar a imagem de produção sustentável promovida pelo Brasil no exterior. “Lamento a decisão do presidente eleito”, disse em rede social.
“Existem muitos fóruns importantes nos quais o Brasil deve marcar sua posição, mas não será possível para um ministro participar de todos eles sozinho”, afirmou Maggi, destacando que o trabalho do Meio Ambiente não se dá apenas sobre assuntos do agronegócio, abrangendo também áreas como infraestrutura, mineração e energia.
“Como um ministro da Agricultura vai opinar sobre um campo de petróleo ou exploração de minérios?”.
Além deles, oito ex-ministros do Meio Ambiente se manifestaram em artigo publicado na Folha a favor da manutenção do ministério e da permanência do Brasil no Acordo de Paris contra o aquecimento global, essa última já ameaçada por Bolsonaro.
Marina Silva, ministra em parte do governo Lula e candidata à Presidência na eleição de 2018, classifica a fusão como absurda e desastrosa.
“Ele [Bolsonaro] não tem consciência das incompetências que tem para lidar com essa agenda”, disse à Folha. “Você submete um ministério que tem a função de fiscalizar ao setor que será fiscalizada. Uma área que é de alta relevância para a proteção da biodiversidade e o interesse imediato de um agricultor específico. O que vai prevalecer nesse novo arranjo? O que prevalecia eram os estudos técnicos e científicos, porque não se pode sacrificar recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas.”
Carlos Minc, sucessor de Marina Silva na pasta, classifica o momento como assustador. Segundo o ex-ministro, trata-se do maior retrocesso dos últimos 50 anos.
“Antes mesmo de ele ir para o segundo turno e ganhar, o desmatamento e as ameaças ao Ibama e ao ICMBio já estavam aumentando”, diz Minc. “Agora imagina a perda de status do ministério e, portanto, de seus órgãos principais. Quantas Marianas poderão ocorrer? Como ficará a biodiversidade protegida pelos ruralistas?”, lembrando o desastre ambiental que afetou a cidade mineira.
Para a ex-ministra Izabella Teixeira, a fusão é um erro e um apequenamento dos papéis de ambos os ministérios. Para ela, área ambiental é um dos únicos “soft powers” que a política externa brasileira tem. “O MMA é uma força, é uma marca global.”
Segundo Teixeira, é necessário diálogo para entender a motivação do novo governo.
“Simbolicamente, é dizer para que estamos desembarcando do mundo no século 21. É impressionante o desconhecimento do novo governo sobre o papel do Brasil na esfera internacional a respeito das questões ambientais”, diz Teixeira.
Além de uma possível mancha na imagem internacional do país e perdas econômicas para os próprios atores do agronegócio, Marina teme a insegurança jurídica.
Ela cita como exemplo possíveis outorgas para uso de água para irrigação em determinadas áreas, nas quais pode haver quadros de escassez.
Vicente Andreu, ex-diretorpresidente da ANA (Agência Nacional de Águas, autarquia ligada ao MMA), diz que o plano de governo de Bolsonaro era omisso em relação a questão de águas e teme que uma das consequências da fusão seja o agravamento de quadros de crise hídrica.
“É preciso uma mobilização da opinião pública”, diz Marina Silva. Ela classifica a manobra como um capricho “às custas do futuro dos nossos filhos, netos e da nossa possibilidade de futuro”.
Marina e Andreu temem que a fusão leve estados a submeter seus órgãos ambientais às secretarias de agricultura.
Mesmo o agronegócio se divide sobre o assunto e teme que a união traga problemas.
“O número vai ser de um ministério a menos, mas isso não vai reduzir a máquina [pública]; vai criar outro problema, então o resultado é zero”, opina Luiz Cornacchioni, diretorexecutivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
“O sinal é muito ruim, principalmente para o mercado externo. O agro tem quase US$ 100 bilhões [R$ 370 bilhões] em exportação para mercados mundiais, alguns muito exigentes, como a União Europeia e o Japão. Como explicar que o ministério regulador fica embaixo do ministério regulado?”, aponta Cornacchioni, que também é facilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
“O país campeão de biodiversidade não ter um Ministério do Meio Ambiente é como um campeão da Copa do Mundo sem seleção”, compara o cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães.
Com mais de 170 membros, a Coalizão trabalha há quatro anos para conciliar aumento da produção e da preservação com foco em propostas de médio e longo prazo.
“No começo até achei que poderia ser bom, mas depois vi que seria difícil, porque o ministério do Meio Ambiente cuida de muito mais que Agricultura. Tem resíduos sólidos, indústria, enquanto o agro envolve cadeias produtivas vastíssimas. Mas temos que conversar, porque só a equipe dele conhece [a proposta]”, diz a deputada reeleita e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS).
Na semana que vem, a deputada deve levar a uma reunião com Bolsonaro uma lista de demandas do setor agropecuário. Além de questionar a fusão dos dois ministérios, a pauta recupera discussões sobre a legislação da compra de terras por estrangeiros, a demarcação de terras indígenas e o licenciamento ambiental.
A exceção tem sido Xico Graziano. O ex-secretário estadual de Meio Ambiente em São Paulo e ex-chefe de gabinete no governo FHC reagiu positivamente à proposta.
“Você submete um ministério que tem a função de fiscalizar ao setor que será fiscalizada. Uma área que é de alta relevância para a proteção da biodiversidade e o interesse de um agricultor específico. O que vai prevalecer nesse novo arranjo? Marina Silva (Rede) ex-ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência em 2018