Folha de S.Paulo

Ofimdafé

- Ruy Castro

Na comoção provocada pelo atentado a tiros na sinagoga Tree of Life, em Pittsburgh, na Pensilvâni­a, no último sábado (27), em que morreram 11 pessoas, passou despercebi­da uma frase do presidente Donald Trump: “Este é um caso em que, se houvesse seguranças armados lá dentro, eles teriam sido capazes de impedir [o atirador] imediatame­nte. Talvez ninguém tivesse morrido, só ele”.

Trump estará pondo a culpa nos responsáve­is pela sinagoga? A cerimônia em que se deu a tragédia, e que, para Trump, deveria ter sido protegida por seguranças armados, era o batizado de um bebê. Os presentes eram seus familiares, muitos deles, idosos. Assim que o atirador começasse a disparar, os seguranças reagiriam e, na troca de tiros dentro do templo, “talvez” apenas o atirador morresse, ele arriscou. A alternativ­a seria instalar um detector de metais na porta da sinagoga. Mas vale a pena viver num mundo em que até batizados de bebês têm de tomar tais precauções?

Graças a uma prótese de titânio no ombro, passei a apitar no controle de bagagem dos aeroportos nas viagens que sou obrigado a fazer. Antes que o funcionári­o comece a dar ordens a respeito de tirar o cinto ou o sapato, já vou logo avisando: “No reservado, por favor”. É um cubículo ali ao lado, a que eles são obrigados a levar o passageiro que o solicitar. E, com isso, livro-me do vexame de ser visto levando uma geral em público —algo glorioso aos 18 anos, como aconteceu algumas vezes, mas não aos 70.

Acho aceitáveis certas precauções em aeroportos. De fato, todo cuidado é pouco a respeito de pistolas ou canivetes em aviões. Mas o que eles têm contra cortadores de unhas?

Já ser revistado à entrada de um museu, de um jogo de futebol ou de uma roda de samba não é apenas humilhante. Leva-nos a pensar que o colega atrás de nós pode estar escondendo uma arma —e lá se vai a fé no ser humano.

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