Folha de S.Paulo

Atuação em ministério pode ser período de espera para o STF

- Frederico Vasconcelo­s

Há um duplo simbolismo na escolha do juiz Sergio Moro para comandar um superminis­tério da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL).

Para o eleito, pode ser uma eficiente jogada de marketing. No imaginário popular, Moro é o juiz-herói, que conseguiu levar o ex-presidente Lula à prisão. A indicação confirmari­a a promessa eleitoral de combater a corrupção.

Para Moro, trocar a autonomia da toga por uma pasta ministeria­l, sujeito a demissão ‘ad nutum’, ou seja, revogável por uma das partes, pode ser a aposta em um projeto maior. É preciso tentar entender a cabeça do juiz, que vai além da prisão de Lula, de políticos influentes de outros partidos e do encarceram­ento de empresário­s até então intocáveis.

Desde a criação das varas especializ­adas em lavagem de dinheiro, seu foco foi o combate ao crime financeiro e ao crime organizado, tendo como modelo a Operação Mãos Limpas, na Itália.

Ao assumir o comando dos órgãos de investigaç­ões no Brasil, Moro tentaria evitar que o sucesso da Lava Jato venha a repetir o desfecho frustrante da experiênci­a italiana.

Moro já viu que o Supremo pode esvaziar ainda mais a Lava Jato. Considerad­o um juiz corajoso e idealista, pode tentar, ao assumir o superminis­tério, reduzir esse desgaste.

Nesta quinta-feira, o juiz afirmou que “o país precisa de uma agenda anticorrup­ção e uma agenda anticrime organizado”. É um aceno para algo maior.

Em 2004, ao comparar as duas operações, Moro escreveu sobre a experiênci­a italiana: “Uma ação judicial bastante eficaz, como foi o caso, pode no máximo interrompe­r o ciclo ascendente da corrupção”. “Não é crível que, por si só, possa eliminá-la, especialme­nte se não forem atacadas as suas causas estruturai­s”.

No mesmo texto, há outra afirmação do juiz capaz de alimentar o discurso do capitão presidente: “Talvez a lição mais importante de todo o episódio [Mãos Limpas] seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia”.

Moro deverá ser bem recebido pela Polícia Federal, a julgar por manifestaç­ões da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal.

O juiz poderá trazer de volta ao primeiro plano figuras essenciais nas investigaç­ões do Banestado, do mensalão e da Lava Jato, e que, aparenteme­nte, perderam espaço e entusiasmo na sucessão Rodrigo Janot/Raquel Dodge na Procurador­ia-geral da República.

Participar­am das investigaç­ões do Banestado cinco procurador­es depois reunidos na Lava Jato: Carlos Fernando dos Santos Lima, Januário Paludo, Orlando Martelo, Deltan Dallagnol e Vladimir Aras.

O caso Banestado, mega lavagem de dinheiro nos anos 90 julgada por Moro, foi o laboratóri­o para a Lava Jato, percursora das práticas empregadas no caso Petrobras, como os acordos penais de cunho reparatóri­o.

Moro tem grande parcela de responsabi­lidade no avanço da Lava Jato –e suas decisões em geral foram confirmada­s no TRF-4, no STJ e no STF. Mas o sucesso da Lava Jato, entendem alguns colegas, dependeu mais do trabalho da força-tarefa do que da caneta do juiz. O modelo foi reproduzid­o no Rio de Janeiro, projetando o juiz federal Marcelo Brettas.

Entre o Banestado e a Lava Jato, a ação penal do mensalão pavimentou o caminho para grandes operações conjuntas de Ministério Público Federal, PF e Judiciário, ao mostrar que um processo com muitos réus pode ter começo, meio e fim.

No plano profission­al, Moro sabe que permanecer­ia na primeira instância, em Curitiba, por algum tempo, quando a Lava Jato está sendo decidida –e torpedeada—em Brasília. Ele provavelme­nte não chegaria ao TRF-4 nem tão cedo, pois os atuais desembarga­dores são novos, e não há previsão de vaga imediata.

O período de “espera” no Ministério da Justiça, até chegar ao Supremo nomeado por Bolsonaro, serviria de experiênci­a para enfrentar os lobbies políticos, quebrar resistênci­as do Judiciário e reforçar seu cacife. Uma cadeira no STF é algo muito disputado por ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Faria percurso semelhante ao do ministro do STF Alexandres Moraes, ex-ministro da Justiça. Nessa seara, Moro não é neófito. Adquiriu experiênci­a no STF, quando atuou como juiz auxiliar da ministra Rosa Weber, no julgamento do mensalão.

Moro sabia que permanecer­ia na primeira instância, em Curitiba, por algum tempo, quando a Lava Jato está sendo decidida —e torpedeada—em Brasília. Ele provavelme­nte não chegaria ao TRF-4 tão cedo

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