Folha de S.Paulo

Magistrado terá de fazer escolhas ponderadas para garantir futuro político

- Igor Gielow

Ao iniciar a carreira política na qual prometeu nunca enveredar, Sergio Moro tem uma avenida de riscos e oportunida­des à frente.

Os problemas já estão precificad­os. O principal é a suspeição automática sobre Moro, em que pese que ele condenou gente de toda coloração partidária, na condução do caso de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aqui é política, não justiça: a aparência conta tanto ou mais do que o que de fato ocorreu. Não dá para dizer, contudo, que não era algo esperado.

Além disso, será interessan­te ver como o futuro ministro irá se comportar, por exemplo, ao lado do colega Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Além de novo chefe da Casa Civil, o deputado admitiu ter recebido caixa dois da JBS no ano passado. Na função de timoneiro da Lava Jato, Moro é um dos responsáve­is pelo fato de que um crime considerad­o banal por políticos tornou-se pecado mortal.

Mais: o juiz cuidará da Segurança Pública, que havia sido extirpada da Justiça no começo do ano. As propostas polêmicas de Jair Bolsonaro (PSL) e seu entorno serão aceitáveis? Como juiz, ele considera isentar policiais que matam em serviço de qualquer processo legal? E como ministro?

Há ainda riscos práticos de resultados. A Lava Jato, ao ser “levada para o governo”, deixa de ser uma força multidisci­plinar exposta a escrutínio, freios e contrapeso­s das diferentes instituiçõ­es que a compõem. Claro, não se fala aqui do fim da operação, mas de sua desmoraliz­ação.

Se Moro será um superminis­tro, terá de fazer escolhas ponderadas para não ser visto como uma espécie de J. Edgar Hoover tropical —o mítico diretor do FBI que passou 48 anos chefiando a arapongage­m americana, pois todos os políticos temiam o alcance de sua rede de investigaç­ão.

O lado dos prós é relativa- mente simples. Se aplicar seus superpoder­es corretamen­te e lograr qualquer coordenaçã­o com os estados para enfrentar a epidemia de homicídios brasileira, se usar os órgãos de inteligênc­ia financeira para não depender apenas do controle da fronteira porosa para frear o PCC, Moro ficará com os louros.

A agenda de combate ao crime organizado já é prioridade do setor militar da equipe de Bolsonaro; se trouxer sua experiênci­a da Lava Jato para a mesa, algo de novo pode surgir.

E aí ser ministro do Supremo passa a ser um prêmio de consolação: a meta é tornar-se um ator para disputar a Presidênci­a. Se em 2022 ou em 2026, aí extrapolam­os a futurologi­a.

Como estudioso da Operação Mãos Limpas, a Lava Jato da Itália dos anos 1990 na qual se inspirou, o juiz deve estar a par do destino não muito honroso de Antonio di Pietro, que era o Sergio Moro da ocasião. Ele entrou no governo como ministro (voltaria na década seguinte), tentou viabilizar um partido político em cima de “valores”, virou celebridad­e nacional mas, com o tempo, evanesceu nos meandros da política que quis reformar. Vejamos o que acontecerá aqui.

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