Abuso sexual de mulheres é ‘parte do cotidiano’ na Coreia do Norte, diz ONG
Agressões cometidas por autoridades e policiais são ‘altamente toleradas’ no país, diz relatório
SÃO PAULO A violência sexual de autoridades e policiais contra mulheres na Coreia do Norte é tão frequente e pouco punida que já se tornou prática tolerada pela sociedade, diz um relatório da organização internacional Human Rights Watch (HRW), divulgado nesta quarta-feira (31).
O documento de 86 páginas, cujo título —“Você chora à noite, mas não sabe por quê”— reproduz a frase de uma das vítimas, foi elaborado com base em 54 entrevistas com norte-coreanas que fugiram do país depois de 2011, quando o atual líder, Kim Jong-un, chegou ao poder. Também foram ouvidas oito ex-autoridades exiladas.
Nos relatos, muitas disseram que quando um oficial escolhe uma mulher, ela não tem saída a não ser concordar com qualquer pedido que ele faça, seja de sexo, dinheiro ou outros favores.
A conclusão é que o contato sexual indesejado e a violência sexual são tão comuns no país que se tornaram “aceitos como parte do cotidiano”.
Os abusadores são altos funcionários do partido, policiais, fiscais de comércio, guardas de prisões, promotores ou soldados do Exército. Com medo de retaliações e de caírem em desgraça social, as vítimas não denunciam os casos.
Segundo a entidade de defesa dos direitos humanos, o go- verno norte-coreano falha ao investigar e punir as queixas, não oferece proteção e serviços de apoio às vítimas e até divulga a afirmação implausível de que o país é livre de sexismo ou violência sexual.
Oito ex-prisioneiras contaram à Human Rights Watch que sofreram uma combinação de violência sexual, assédio verbal e tratamento humilhante por parte de investigadores e funcionários das prisões do país.
“Toda noite algumas mulheres eram forçadas a deixar a cela para serem estupradas pelos guardas”, disse uma delas.
“Click, click, click é o som mais horrível que eu já escutei. Era o som da chave da cela da prisão abrindo. Eu ficava lá, quieta, agindo como se não tivesse percebido, esperando que não seria eu a próxima a ter que seguir o guarda.”
Além disso, 21 comerciantes entrevistadas relataram terem sofrido violência sexual por parte de fiscais e de outros funcionários quando viajavam a trabalho.
Uma delas disse que as mulheres são consideradas brinquedos sexuais dos homens do país e que a prática é “tão comum que eles não pensam que estão fazendo nada de errado”.
“Nos dias em que eles sentiam vontade, policiais ou fiscais de comércio pediram para segui-los até uma sala vazia fora do mercado ou outro lugar que eles escolhiam”, diz a testemunha, que sofreu abuso muitas vezes.
Segundo a Human Rights Watch, a falta de educação sexual e de conhecimento sobre esse tipo de violência, aliada à desigualdade de gênero no país, contribuem para esse quadro, assim como o estigma em torno das vítimas e a impunidade contra abusos de poder.
Nas palavras do diretor-executivo da entidade, Kenneth Roth, a violência sexual na Coreia do Norte é “um segredo altamente tolerado”. “Mulheres norte-coreanas provavelmente diriam ‘Me too’ [eu também] se pensassem que há alguma maneira de obter justiça, mas suas vozes são silenciadas na ditadura de Kim Jong-un”, afirmou.
Criado nos EUA no ano passado após denúncias de abusos cometidos pelo produtor de cinema Harvey Weinstein, o movimento #MeToo se espalhou para outros países, com muitas mulheres indo a público narrar agressões sexuais que tinham sofrido e apontando os responsáveis.
A Human Rights Watch pede que o governo norte-coreano assegure que a violência sexual seja tratada como um crime e que os abusos cometidos sejam punidos.
Também chama a atenção para a necessidade de criar programas de saúde reprodutiva e sexual e assistência médica e legal às vítimas.