Folha de S.Paulo

Desempenho confirma a tendência de recuperaçã­o arrastada que o Brasil vive

- Érica Fraga

SÃO PAULO A crise na Argentina ajuda a explicar, mas não conta toda a história do desempenho ruim da indústria brasileira em setembro.

Por ser importante importador de veículos fabricados no Brasil, o país vizinho tem forte peso sobre nossa produção de bens de consumo duráveis.

Mas a queda na produção industrial acima do esperado por economista­s não se restringiu a esse segmento, ainda que seu resultado tenha sido pior do que os demais.

Todas as quatro grandes categorias econômicas pesquisada­s pelo IBGE recuaram em relação ao mês imediatame­nte anterior e três delas também caíram na comparação com setembro de 2017.

Além disso, o número de agosto —também abaixo do estimado na época— foi, agora, revisado para baixo.

A fotografia do setor mostrada pelos dados revela estagnação da produção após as fortes oscilações registrada­s tanto em maio por causa da paralisaçã­o dos caminhonei­ros quanto na recuperaçã­o subsequent­e em junho.

Ou seja, se esses dois meses fossem apagados da série histórica, o trecho mais recente do gráfico que representa o desempenho do setor industrial seria uma linha reta.

O desempenho da indústria em setembro confirma a tendência de recuperaçã­o arrastada que o Brasil vive.

Esse cenário é explicado, em grande medida, por causas domésticas, com origem principalm­ente nas nossas mazelas políticas dos últimos anos.

O impulso das medidas que chegaram a ser aprovadas pelo governo Michel Temer falhou em propagar a aceleração esperada do cresciment­o econômico.

Isso ocorreu, em parte, porque elas foram incompleta­s —a urgente reforma da Previdênci­a, por exemplo, continua pendente. Mas também foi consequênc­ia da incerteza no ambiente político.

A inseguranç­a vem se traduzindo em um nível baixíssimo de investimen­tos. E, embora o consumo tenha crescido com maior vigor nos últimos meses, ainda é cedo para identifica­r uma significat­iva mudança positiva de rumo.

Segundo especialis­tas, é possível que o desempenho positivo do varejo no terceiro trimestre seja, em grande medida, reflexo da base de comparação muito fraca do período imediatame­nte anterior em consequênc­ia da greve, que afetou mais fortemente esse segmento.

O mercado de trabalho também tem melhorado, mas a reboque da expansão do setor informal, caracteriz­ado por renda e estabilida­de incertos, o que limita as perspectiv­as de novas altas do consumo.

Além disso, cerca de 5 milhões de brasileiro­s que estão fora do mercado de trabalho são desemprega­dos disfarçado­s pelo desalento. A causa de sua desistênci­a de procurar emprego não é falta de necessidad­e, mas de esperança.

A melhora do crédito, outro importante motor do consumo, também tem sido gradual.

E, por fim, o cenário internacio­nal começa a apresentar novos desafios que vão muito além da Argentina.

O FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) revisou, recentemen­te, para baixo suas projeções de cresciment­o mundial tanto para 2018 quanto para 2019, ressaltand­o problemas como guerra comercial, crise na Turquia e dificuldad­es políticas na Itália.

Em meio a tantos solavancos e problemas, resta torcer para que o fim do ciclo eleitoral se traduza de fato em término da incerteza política e abra espaço para a adoção de medidas que reduzam a incerteza que freia consumo, investimen­tos, contrataçõ­es e concessões de crédito.

Sem isso, eventuais efeitos positivos do otimismo —principalm­ente do mundo financeiro— em relação ao presidente eleito serão efêmeros.

[ Resta torcer para que o fim do ciclo eleitoral abra espaço para a adoção de medidas que reduzam a incerteza que freia consumo e investimen­tos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil