Folha de S.Paulo

Superminis­tros maiores que o governo

Além de terem grande poder, Guedes e Moro representa­m revoltas sociais

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Jair Bolsonaro fez grandes lances em seus poucos dias de presidente eleito. Considerem:

1) deu impulso e poder a dois movimentos maiores do que ele, o projeto de encolhimen­to do Estado e a revolta contra a corrupção, nomeando Paulo Guedes e Sergio Moro;

2) colocou militares em postos de guarda e alerta no governo;

3) até agora não negociou coalizão com o Congresso por meio de compartilh­amento de poder no ministério.

Guedes e Moro terão extenso poder sobre a máquina pública, mas a influência dos dois no destino do governo vai além. São representa­ntes de uma reivindica­ção maior de mudanças.

Um clichê da política diz que um governante não deve nomear ninguém que não possa demitir. Em caso de sucesso, Bolsonaro dificilmen­te terá motivo para demitir seus superminis­tros, mas contaria com força política para fazê-lo. Em caso de fracasso, a demissão será irrelevant­e, pois seu governo terá ido para o fundo do vinagre ou coisa pior.

Guedes representa o projeto de desmanche do Estado que foi formalizad­o em 2015, no plano de deposição de Dilma Rousseff, e implementa­do a partir de 2016.

A estabilida­de do governo em 2019 (volta de algum cresciment­o) depende do sucesso parlamenta­r e do sequenciam­ento preciso dessas reformas, que não são remendo. Trata-se de um plano histórico de mudança, que tem apoio de parte da elite econômica e de várias classes médias.

Caso falhe o plano inicial de Guedes, haverá algum tumulto financeiro. Caso o Congresso barre a mudança ou Bolsonaro desista dela, o tumulto será enorme, e o presidente perderá o apoio de elites a quem se aliou, não faz muito mais que um ano.

Não seria apenas a derrota de ambições grandes, mas o fracasso de uma cirurgia de um país à beira do colapso.

Moro leva a Lava Jato para dentro do governo. Tem a tarefa de repetir na segurança pública os resultados do ataque à corrupção.

Além disso, o juiz-ministro é uma tentativa de sinalizar linha dura para o mundo político e compromiss­o constituci­onal —símbolo.

Tanto faz o que se pense da atuação de Moro como juiz; sim, o liberalism­o de Guedes, o lava-jatismo e a lei podem vir a ser atropelado­s por Bolsonaro. Importa reter agora que o presidente eleito nomeou dois comandante­s superpoder­osos para dar satisfação a revoltas sociais significat­ivas e isso é o núcleo do governo.

O futuro ministro da Defesa, o general Augusto Heleno, é o grande conselheir­o de Bolsonaro, uma espécie de ministroch­efe da Casa Militar, um pilar político. Nos Transporte­s, centro habitual de corrupção, haverá outro general, outro alerta. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, deve ter algum poder na infraestru­tura e no relacionam­ento entre governo e empresas.

A ambição de mudança enfrentará muita resistênci­a. Trata-se de revisar relações socioeconô­micas essenciais: seguridade social e poupança (caso da Previdênci­a), protecioni­smos vários para empresas, vinculaçõe­s orçamentár­ias (pactos de distribuiç­ão de recursos que não se limitam a saúde e educação), privilégio­s tributário­s, acordos com servidores, apoio da banca estatal.

A relação com o Congresso e a superpasta da Justiça ameaçam o modo de lidar com a distribuiç­ão de recursos políticos e o “business as usual” na relação de Parlamento, empresas e governo.

Isto tudo é plano de navegação. Tudo pode afundar assim que sair do porto. Para analisar a travessia ou o naufrágio, convém prestar atenção.

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