Folha de S.Paulo

À espera dos fatos

Plano econômico de Bolsonaro vai ganhando nitidez; é preciso dizer como colocar em prática

- Pedro Luiz Passos Empresário, conselheir­o da Natura

As primeiras palavras de Jair Bolsonaro já na condição de presidente eleito, na noite de domingo (28), começaram a delinear as diretrizes de seu governo, depois de uma campanha raquítica em discussão programáti­ca por todos os candidatos, sem exceção, e em que a maioria votou mais com o fígado que com a razão.

Bons sinais foram emitidos em seu discurso de vitória, com a manifestaç­ão de respeito à Constituiç­ão e às instituiçõ­es, em contrapont­o à retórica truculenta que pontuou seus sete mandatos de deputado federal.

Igualmente tranquiliz­adoras foram as manifestaç­ões de que falava a “todos os brasileiro­s”, e não apenas aos seus eleitores, numa atitude necessária para começar a desarmar a tensão acirrada no segundo turno.

É um primeiro passo para criar um ambiente mais favorável ao encaminham­ento dos graves problemas das contas públicas, da ineficiênc­ia do Estado e da baixa produtivid­ade da economia.

Pela primeira vez, ele abordou de frente tais questões, de modo a tentar influencia­r positivame­nte as expectativ­as, gerar confiança e balizar as decisões empresaria­is, virtualmen­te estagnadas há quase uma década.

Tais problemas, antigos e nunca resolvidos com firmeza, ganharam espaço relevante em suas falas e nas do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Aguarda-se o roteiro completo, especialme­nte quanto à encruada e essencial reforma da Previdênci­a, já que, como se diz, o diabo mora nos detalhes.

Fortalecid­o pelo anúncio de que vai dirigir um megaminist­ério, englobando Fazenda, Planejamen­to e Indústria e Comércio Exterior, Guedes listou, entre suas prioridade­s, a independên­cia formal do Banco Central e um agressivo programa de privatizaç­ões, para abater dívida pública e dar agilidade à estrutura do Estado.

Tais intenções reforçam o viés liberal do novo governo, conforme sinalizado pelo presidente eleito. Nesse contexto, Guedes minimizou a importânci­a do Mercosul em favor de um movimento de integração ampla do Brasil à economia global, com a derrubada gradual do protecioni­smo tarifário e de subsídios.

Para que tais iniciativa­s não hibernem indefinida­mente no campo das boas intenções, esperam-se habilidade e perseveran­ça do novo presidente para enfrentar uma quantidade infindável de lobbies tão ativos quanto retrógrado­s.

A revoada de missões rumo a Brasília com “sugestões ao novo governo” se intensific­ou nesta semana. Todo cuidado é pouco, uma vez que são estes que se opõem à modernizaç­ão da economia, entre corporaçõe­s de funcionári­os, ameaçadas de perder seus privilégio­s, e grupos empresaria­is interessad­os em retardar o processo de abertura da economia.

Além disso, Bolsonaro terá de conciliar a visão liberal e internacio­nalista que parece predominar na orientação econômica do futuro governo com o histórico de nacionalis­mo do estamento militar. Já houve discordânc­ias, por exemplo, quanto à amplitude das privatizaç­ões, insinuando que podem existir fontes de conflito entre as duas correntes.

Tais desafios e contradiçõ­es não são inéditos às coalizões de forças que dominam a política nas últimas décadas. A incapacida­de de superá-los levou ao colapso dos partidos políticos e à estagnação econômica, formando o pano de fundo da enorme insatisfaç­ão social refletida nas eleições.

Os acenos de Jair Bolsonaro, por tudo isso, precisam transforma­r-se rapidament­e em ações concretas, sob o risco de abreviar o voto de confiança digitado nas urnas pela maioria dos eleitores.

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