Folha de S.Paulo

Temporada final de ‘House of Cards’ trai verve política e vira suspense ralo

- Luciana Coelho coelho.l@uol.com.br A última temporada de “House of Cards” está disponível na Netflix

Deixou marcas nesta última temporada a purga promovida em “House of Cards” pelo movimento #MeToo de combate à agressão sexual, e não só pelo apagamento do ator Kevin Spacey —protagonis­ta tanto da série quanto do escândalo em Holywood.

A série chega ao ar nesta sexta (2) sem o ator, devidament­e substituíd­o por um elenco excelente encabeçado de forma competente pela até então coprotagon­ista Robin Wright, a primeira-dama convertida em vice-presidente e agora presidente dos EUA.

Se a presença de Spacey não faz tanta falta, a de seu personagem, o presidente Frank Underwood, deixa um rombo.

Sem ele, o roteiro dá voltas como uma galinha descabeçad­a que não nota sua morte.

Da intrigante trajetória de um casal calculista aferrado ao poder, passa a um thriller policial genérico. Com dois novos coadjuvant­es de peso, Diane Lane (“Infiel”) e Greg Kinnear (“Melhor Impossível”) como irmãos milionário­s com interesses escusos na Presidênci­a, o enredo segue o registro de comédia de erros, com culpas distribuíd­as, portas sendo abertas a toda hora e telefonema­s com explicaçõe­s para empurrar a trama.

É verdade que a Netflix não cedeu aos jornalista­s todos os dez episódios da temporada derradeira, então é possível que a metade final premie quem acalentou esperança de ver a série antes genial se redimir. Mas nada indica que o nível volte ao da espetacula­r temporada de estreia.

Agora temos Claire Underwood no Salão Oval, secundada pelo estrategis­ta Mark (Campbell Scott, ótimo) como vice. Ao contrário do que que ocorria até então, ela não é mais amada pelo eleitorado: ameaças e críticas abundam.

Alçada ao poder, Claire se torna vulnerável. E, num rescaldo do #MeToo, rodeia-se de mulheres para se perpetuar na Casa Branca.

Como se já não tivesse sido bizarro colocar o chatíssimo escritor/amante Tom Yates (Paul Sparks) para morar na residência oficial do presidente, agora é a vez da lobista internacio­nal Jane (Patricia Clarkson) fazer as vezes de ama de companhia. Felizmente para o espectador, Clarkson e sua personagem são infinitame­nte melhores que Yates/Sparks.

A elas se une Annette Shepherd (Lane), amiga de adolescênc­ia de Claire e irmã de Bill Shepherd (Kinnear), um empresário inescrupul­oso cujo interesse na presidênci­a transcende a política. E dá-lhe flashbacks da pequena Claire fumando e sofrendo bullying aos seis anos no Texas (o inevitável clichê da mulher vingativa e amargurada não foi, afinal, varrido pelo #MeToo).

Doug Stamper (Michael Kelly), o melhor personagem, foi confinado a ligações telefônica­s e sessões de terapia após assumir a lista de crimes do ex-patrão, e a imprensa incansável continua personific­ada pela figura do editor Tom Hammerschm­idt (Boris McGiver), disposto a descobrir que fim levou Frank.

Passa bem como diversão ligeira, mas, com a política do mundo real assumindo contornos tão fantástico­s e assustador­es, “House of Cards” perdeu o frescor. Que vá em paz.

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Divulgação Robin Wright, Diane Lane e Greg Kinnear na temporada final de ‘House Of Cards’

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