Folha de S.Paulo

‘Villa’, de Guillermo Calderón, rememora centros de tortura da ditadura de Pinochet

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Villa Grimaldi é um extensa propriedad­e de cerca de 3 acres nas ladeiras de Peñalolén, comuna ao leste de Santiago. Hoje dá lugar a um parque e a um memorial, mas durante a ditadura chilena foi o principal centro de tortura do regime de Augusto Pinochet.

Também é o centro de “Villa”, espetáculo do dramaturgo Guillermo Calderón, um dos principais expoentes do teatro de seu país, que agora ganha uma montagem brasileira. A Villa Grimaldi não está em cena, mas ecoa o tempo todo na história, como os rastros da ditadura, que pululam na memória da sociedade.

Já findo o regime, três mulheres (aqui interpreta­das por Flávia Strongolli, Rita Pisano e Angela Ribeiro) se reúnem em torno de uma mesa para discutir o destino da Villa.

Precisam votar se o local deveria retornar ao que era antes do governo Pinochet, um complexo de luxo que recebia encontros da elite, se querem fazer dali um museu em memória aos torturados ou se pensaram em outra funcionali­dade para aquela área.

A primeira votação não é conclusiva, e as três voltam ao debate, colocando à mesa, cada qual, os seus argumentos. Mas aqui importa menos o resultado do pleito e mais a situação de impasse, que Calderón, como de hábito, descreve em diálogos secos. E as personagen­s logo adentram uma discussão sobre a memória social e a dificuldad­e em se lidar com ela.

É uma realidade chilena, mas com traços bem semelhante­s aos brasileiro­s, diz o diretor da montagem, Diego Moschkovic­h, que encenou em São Paulo, nos últimos anos, outros dois textos bastante políticos de Calderón: “Dezembro”, que imagina, num futuro próximo, uma América Latina toda em guerra, e “Neva”, que remete à Rússia czarista como metáfora da ditadura chilena.

“O Brasil assessorou o regime de Pinochet, muito do que eles fizeram [de tortura e repressão] lá, aprenderam com o governo daqui. E a gente vê como esses movimentos de queda de Estado Democrátic­o de Direito são acompanhad­os da criação de uma subjetivid­ade das populações, de identidade. Do que significa ser brasileiro ou ser chileno.”

Há mais de quatro anos, Moschkovic­h vem estudando os documentos da Comissão da Verdade —que investigou violações de direitos humanos no Brasil ocorridas entre 1946 e 1988— em trabalhos paralelos com o seu grupo, o Laboratóri­o de Técnica Dramática.

Tanto que entram em sua versão de “Villa” documentos fictícios e outros réplicas de papéis verdadeiro­s sobre as ditaduras latinas, alguns referentes aos casos de tortura da própria Villa Grimaldi, que o grupo pesquisou em passagens pelo Chile.

Nessa fronteira entre a ficção e o documental, a montagem nacional busca as similarida­des da obra com a realidade brasileira, explica o diretor. “Isso acaba nos remetendo a casos de pessoas torturadas que conhecemos e também reforça o aspecto épico dessa nossa história.”

Villa

Sesc Pinheiros - auditório 3º andar, r. Paes Leme, 195. Qui. a sáb., às 20h30; feriados, às 18h. Até 24/11. Ingr.: R$ 7,50 a R$ 25. Livre

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Leekyung Kim/Divulgação Angela Ribeiro, Flávia Strongolli e Rita Pisano em ‘Villa’

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