Folha de S.Paulo

Ministro, Moro deverá entrar em mais conflitos com o STF

Como juiz, ele foi criticado por membros da corte, que considerar­am ilegais algumas das medidas adotadas pela Operação Lava Jato

- Mario Cesar Carvalho

Como ministro da Justiça do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), Sergio Moro deverá ter uma pauta de discussão, e de potenciais conflitos, com o STF (Supremo Tribunal Federal) muito mais ampla do que a que colecionou durante anos como o juiz federal encarregad­o da Operação Lava Jato.

Além das questões que já enfrentou com a toga, como prisões preventiva­s e condenação em segunda instância, Moro defende mudanças profundas no sistema recursal —item que consta de proposta anticorrup­ção, encampada pelo juiz, organizada por Transparên­cia Internacio­nal e FGV.

Principal crítico da atuação do juiz federal Sergio Moro nos quatro anos da Operação Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, dizia no ano passado que as prisões preventiva­s que o magistrado decretava flertavam com a ilegalidad­e: “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre este tema que conflita com a jurisprudê­ncia que desenvolve­mos ao longo desses anos”.

Gilmar criticava Moro porque o então juiz mantinha suspeitos presos por mais tempo e com justificat­ivas mais elásticas que as previstas em lei.

Agora que aceitou ser ministro da Justiça do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), Moro deve ter uma pauta de discussão, e de potenciais conflitos, muito mais ampla do que o tema das prisões preventiva­s, sobre o qual ele derrotou o entendimen­to de Gilmar e do Supremo.

A primeira questão, e potencialm­ente a mais explosiva, deve ser a da prisão a partir de condenação em segunda instância, usada para mandar o ex-presidente Lula para a cadeia.

O Supremo aprovou a mudança em 2016 por 6 votos a 5. Sabendo que ministros mudaram de posição, a defesa de Lula tentou colocar essa questão em votação no Supremo neste ano para libertálo, sem sucesso.

A mudança da lei enfraquece­ria a Operação Lava Jato, segundo procurador­es da forçataref­a. Como Moro disse que aceitou o cargo para evitar retrocesso­s na operação, o embate parece certo.

Há outras questões em que o Supremo e Moro divergem. O juiz defendeu, e muitas vezes colocou em prática, interpreta­ções da lei que contrariam o entendimen­to do Supremo. A maior derrota de Moro nessas questões foi o veto da corte em junho do ano passado às conduções coercitiva­s, uma figura que só é autorizada em condições excepciona­is, mas era usada rotineiram­ente pela Lava Jato. A forçataref­a em Curitiba obteve autorizaçã­o para fazer 227 conduções coercitiva­s.

A corte também considerou ilegal o uso que Moro fez do conceito de interesse público ao divulgar gravações de conversas do ex-presidente Lula.

O juiz também tinha críticas sobre o entendimen­to da legislação brasileira, endossada pelo Supremo, sobre recursos que um réu pode ingressar para tentar mudar o resultado de um julgamento.

“É um sistema de recursos sem fim”, disse o ex-juiz em comissão do Congresso em setembro de 2015. “Sem falar em crimes graves, de malversaçã­o do dinheiro público, que demora muito, muitas vezes chegando à prescrição. Isso precisa ser alterado”.

O caso do ex-prefeito Paulo Maluf (PP) parece dar razão a Moro. Ele foi denunciado em 2006 por desvios de US$ 172 milhões em uma obra em São Paulo, mas só foi cumprir a pena de prisão, decretada pelo Supremo, 19 anos depois.

O livro que Moro carregava nesta quarta (1º), quando foi se encontrar com Bolsonaro no Rio, “Novas Medidas Contra a Corrupção”, que deve ser seu guia no ministério, defende que é preciso “imprimir maior celeridade ao sistema recursal” sem violar garantias.

O pacote prevê o estabeleci­mento de prazos para os recursos e a aplicação de multas para quem apela apenas para ganhar prazo.

A obra compilou 70 medidas para aprimorar o combate à corrupção, a partir de uma consulta feita pela Transparên­cia Internacio­nal e pela escola de direito da Fundação Getúlio Vargas a 370 instituiçõ­es no Brasil.

O pacote é um tentativa de aprimorar as Dez Medidas contra a Corrupção, que previa medidas considerad­as ilegais, como a simulação de crime para apanhar funcionári­os públicos corruptos.

A mudança do sistema de recursos precisa ser aprovada pelo Congresso.

O pano de fundo de todas as divergênci­a do ex-juiz sobre a legislação brasileira é uma das figuras centrais do sistema jurídico ocidental: a presunção de inocência.

O artigo 5º da Constituiç­ão brasileira prevê que “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia”. Trânsito em julgado quer dizer que não cabe mais recursos para mudar a sentença.

A defesa de Lula diz que sua prisão viola esse princípio. O entendimen­to que prevaleceu é de que a pena pode ser cumprida mesmo quando há recursos pendentes no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo.

Moro já atacou o que considera excessos na invocação dessa figura: “O princípio de presunção de inocência não pode ser interpreta­do como uma garantia de impunidade dos poderosos”, disse em abril deste ano.

Na Lava Jato, Moro conseguiu aplicar agilidade incomum na Justiça brasileira com o uso de figuras do direito anglo-saxão, como os acordos de delação.

Não é preciso consultar o gênio da lâmpada para saber que o futuro ministro levará para a pasta essa visão de mundo.

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