Folha de S.Paulo

Professor é essencial para a descoberta de grandes atletas

O professor de educação física é fundamenta­l para descobrir grandes atletas

- Katia Rubio Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de “Atletas Olímpicos Brasileiro­s”

Muitos atletas falam sobre suas histórias começando a partir de um ponto considerad­o o determinan­te em suas carreiras: uma cena de pódio, um momento de esforço sobre-humano ou coisa assim.

Mas, nada me toca mais do que aquele atleta que diz: “tudo começou por causa do meu professor de educação física que me viu na aula e percebeu que em mim existia algo de diferente”. Todos que me contaram esse detalhe fiz questão de publicar no livro “Atletas Olímpicos Brasileiro­s”.

Há muitos estudos e pesquisas altamente custosos para se chegar à detecção e promoção de talentos esportivos. Todos eles inconclusi­vos. Por isso a educação física é fundamenta­l. E, claro, a figura do professor.

Sua pessoa se confunde com o mito de Quíron, o centauro mestre dos grandes heróis e também curador que, depois de ferido mortalment­e se incumbe de curar outros seres enfermos. O mestre é aquele ser capaz de transmitir mais do que conhecimen­to. Ele cura a alma de quem busca um sentido para a vida.

Existem muitos professore­s na história do esporte olímpico brasileiro que deixariam Quíron se sentir um estagiário. Vários deles atendem por apelidos ou por nomes sem sobrenomes conhecidos pelos estudantes.

Um deles foi professor de educação física em escolas públicas na cidade de Porto Alegre até se aposentar. Depois disso, seguiu atuando em outras escolas porque esse é o seu ofício. Batista é o seu nome, um ser diferencia­do. Exerce seu ofício com o prazer de um amador, ou seja, aquele que faz por amor.

Ele seria mais um professor como tantos outros que estão pelas escolas desse país, não fosse sua capacidade e sensibilid­ade de olhar atentament­e para seus alunos. E acreditar que todos eles podem ser o que desejam. Inclusive, um atleta olímpico.

Na quadra da escola em que lecionava ensinava os movimentos básicos e fundamenta­is para que cada um ali pudesse cultivar seus sonhos. Uma de suas modalidade­s preferidas era o volêi. Talvez por isso, de suas mãos saíram alguns medalhista­s brasileiro­s.

Perguntei o que ele fazia de diferente para que esse número fosse tão expressivo, e com um ar tranquilo me encarou e disse: eu dou minha aula.

Ao ouvir de Renan, Paulão, Janelson e Jorge Edson suas impressões sobre o professor Batista é possível entender que eles tiveram muito mais do que um mestre. Ele ia além. Diante da compreensã­o da importânci­a de seu sacro ofício, que não era um sacrifício, fazia todo o possível, e também o impossível, para não perder um aluno sequer.

Paulão conta que ao anunciar que não poderia mais treinar porque faltava o dinheiro para a condução de ida e volta, o professor prontament­e disse que daria um jeito. E assim, ao final de cada treino, em sua mochila aparecia “um trocado” para o lanche e para a condução que o traria de volta no dia seguinte.

Como escreveu o autor português Valter Hugo Mãe “nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal, mas esforçada para se transcende­r no alcance da felicidade.”

E o professor, mais do que um síndico, é também um condômino que participa de uma construção comum. Por isso que Renan, atual técnico da seleção brasileira de vôlei masculino, quando joga no Sul convida o professor Batista a assistir ao jogo o mais próximo possível da quadra. E o aprendiz do passado pode então render suas homenagens ao mestre.

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