Críticas de Ciro se devem ao seu caráter ‘iracundo’, diz Boff
Teólogo respondeu ao ex-candidato, que o chamou de ‘um bosta’ à Folha
O teólogo, filósofo e escritor, Leonardo Boff, 88, respondeu às declarações do ex-candidato à Presidência Ciro Gomes, que em entrevista à Folha o chamou de “um bosta” e “bajulador”, além de insinuar que ele não havia criticado o mensalão e o petrolão.
“Minha posição é dos filósofos, dentre os quais me conto: nem rir nem chorar, procurar entender. Entendo seu excesso a partir de seu caráter iracundo [raivoso], embora na entrevista afirme que ‘tem sobriedade e modéstia’”, disse.
Apesar da fala de Ciro, Boff defendeu a participação do político em uma “espécie de colégio de líderes, vindos das várias partes de nosso país continental, para que as resistências e oposições tenham sua base em vários estados e não apenas naqueles econômica e politicamente mais relevantes”.
Um dos iniciadores da teologia da libertação, Boff falou com a Folha por email e fez uma análise sobre o papel da esquerda após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência.
O teólogo argumenta que a fragmentação observada hoje entre partidos de esquerda já é uma característica desse lado do espectro político, o que levou, a seu ver, ao enfraquecimento das oposições.
“Creio que agora a situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar, abstraindo das diferentes extrações ideológicas, para não sermos tragados pelo dilúvio da irracionalidade e das violências que poderão irromper a partir de uma liderança que tem como ídolo um torturador como Brilhante Ustra”, afirma.
Boff também disse que a situação requer uma autocrítica. “Penso que todos os partidos têm que se reinventar sobre bases éticas e morais mais sustentáveis. Toda crise acrisola, nos faz pensar e crescer”.
O teólogo, que fez uma declaração de voto em Fernando Haddad no dia 24 de outubro, a quatro dias do segundo turno, afirmou ser amigo-irmão do ex-presidente Lula e criticou a decisão judicial que barrou a candidatura do petista, o que teria demonstrado, segundo ele, que ele é “um prisioneiro político vivendo numa solitária”.
Boff, no entanto, afirma que não cabe a ele avaliar se o PT errou ou não ao insistir na candidatura de Lula, mesmo após a prisão, em abril.
“O PT tinha esperança de que se fizesse justiça a Lula e o Judiciário obedecesse a declaração da ONU de que a Lula teria garantido o direito de ser candidato. Mas o arbítrio imperante não obedeceu a uma regra de tão alta instância. Vetou sua candidatura e quanto o saiba, até lhe sequestrou o direito de votar.”
A proximidade com o expresidente, diz, não o torna um bajulador, como Ciro Gomes disse na entrevista à Folha. Boff afirma que nunca se filiou ao PT e não deixava de criticar Lula, mesmo quando ele estava na Presidência.
“Todas as vezes que o encontrávamos em Brasília, eu e minha companheira Márcia, fazíamos-lhe críticas, por vezes tão duras por parte de Márcia que tinha que dar chutes em sua perna, por debaixo da mesa, para se moderar”, relata.
“Sobre o ‘mensalão’ e o ‘petrolão’ sempre fui crítico. Mostrei-o em meus artigos publicados no Jornal do Brasil online, onde escrevi, semanalmente, durante 18 anos”, diz. “Um intelectual, ciente de sua missão, não pode deixar de criticar malfeitos, venham de onde vierem. Assim o fiz em todo o tempo.”
A situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar [...] para não sermos tragados pelo dilúvio da irracionalidade
Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor