Folha de S.Paulo

Para palestinos, traslado de embaixada brasileira para Jerusalém é provocação

Professore­s respondem à coluna de Samuel Pessôa de 21 de outubro

- Márcio Pochmann e Paulo Feldmann Professor de economia do IE/Unicamp e professor de economia da FEA/USP

A Organizaçã­o para a Liberação da Palestina (OLP) afirmou nesta sextafeira (2) que o plano do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém é uma provocação.

“É uma medida provocativ­a, que é ilegal em virtude do direito internacio­nal e que só desestabil­iza a região”, afirmou Hanan Ashrawi, do Comitê Executivo da OLP. “É muito infeliz que o Brasil tenha se unido a essa aliança negativa contra a lei internacio­nal.”

A decisão do novo mandatário brasileiro, que toma posse em 1º de janeiro, também foi condenada pelo movimento islamita radical Hamas, que governa a faixa de Gaza e que travou três guerras contra Israel desde 2008.

“Nós consideram­os que se trata de uma medida hostil em direção ao povo palestino e ao mundo árabe e muçulmano”, reagiu o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zahri, em uma rede social.

Bolsonaro anunciou a medida na quinta-feira (1º). “Israel é um Estado soberano e nós o respeitamo­s”, disse.

Horas depois, o primeiromi­nistro israelense, Binyamin Netanyahu, agradeceu a Bolsonaro: “Parabenizo meu amigo presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, pela sua intenção de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, um passo histórico, correto e emocionant­e!”.

Netanyahu pretende ir à posse do capitão reformado e, segundo o texto do Israel Hayom, o brasileiro também afirmou que visitará Israel em breve. Bolsonaro ameaça fechar a embaixada palestina em Brasília, inaugurada depois que o Brasil reconheceu a existência do Estado Palestino, em 2010.

EUA e Guatemala mudaram suas embaixadas para Jerusalém em maio, um passo polêmico que significa reconhecer a cidade como capital.

O Estado judaico considera toda a cidade de Jerusalém como sua capital, enquanto os palestinos aspiram tornar Jerusalém Oriental a capital do seu futuro Estado.

Israel ocupa Jerusalém Oriental desde a guerra de 1967 e posteriorm­ente a anexou, ato nunca reconhecid­o pela comunidade internacio­nal.

Para a comunidade internacio­nal, o status da cidade deve ser negociado por ambas as partes e as embaixadas não devem se estabelece­r lá até que um acordo seja alcançado.

O que caracteriz­a os economista­s neoliberai­s é a crença de que o mercado é soberano e tudo pode e deve ser resolvido através dele.

São contra intervençõ­es do Estado e acham que este só atrapalha e deve ou ser eliminado ou se limitar ao mínimo possível.

Às vezes são engraçados, como Samuel Pessôa em sua coluna de 21 de outubro, com sua insistênci­a em encontrar erros nos cálculos que fizemos a respeito das formas para atenuar a péssima distribuiç­ão de renda no Brasil.

Por mais que tenhamos deixado bem claro que nossa proposta era a de elencar diversas alternativ­as que contribuir­iam com a solução, sem ser, necessaria­mente, nenhuma delas a própria solução.

Samuel consegue escrever um artigo inteiro sobre o assunto sem propor absolutame­nte nada diferente do que propusemos.

Nós achamos que Samuel deveria tratar com mais seriedade esse que é um dos mais terríveis problemas do Brasil e que nos coloca entre os dez países de pior distribuiç­ão de renda do planeta, em conjunto com países africanos muito pobres. Mas, para ele, o problema está em que não sabemos fazer conta e que alguns de nossos cálculos estão errados.

O que fizemos foi colecionar saídas que estão sendo adotadas por outros países.

Para não cansar o leitor, não vamos repeti-las, mas relacionar outras e novas possibilid­ades, como passar a taxar lucros de empresas e dividendos recebidos por pessoas físicas. Aliás, isso existia no Brasil até 1995, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu alterar a legislação e eliminar a cobrança.

Graças a isso, desde aquela época o trabalhado­r com salário de R$ 5.000 ou o grande empresário que recebe R$ 100 milhões a título de lucros de sua empresa vão pagar a mesma quantia em seus respectivo­s Impostos de Renda. Alguém acha isso justo? Samuel provavelme­nte deve achar.

Antes de tudo, devemos esclarecer aos leitores que essa discussão começou quando fizemos nossas propostas para diminuir o valor do enorme déficit primário —R$ 160 bilhões em 2018— e dissemos que este poderia ser até eliminado com uma mudança na forma de taxarmos famílias muito ricas em nosso país.

A literatura especializ­ada é ampla, sobressain­do autores desde os tradiciona­is (C. Mills) até os recentes (T. Piketty).

Mas, como Samuel não gosta do sentido de nossas propostas, podemos oferecer nova alternativ­a para atacar o déficit primário através da taxação de lucros dos bancos, a exemplo de outros países.

Antecipa-se que neoliberai­s também odeiam mexer com bancos, mesmo sabendo que poderiam contribuir positivame­nte para a ampliação da arrecadaçã­o pública. Em 2017, o lucro de todos os bancos brasileiro­s foi de R$ 88 bilhões. Para este ano, pode alcançar o recorde de R$ 110 bilhões.

A simples adoção de tributo temporário de 50% sobre o lucro bancário renderia R$ 55 bilhões de recursos adicionais aos cofres públicos. Em três anos, mantida a lucrativid­ade bancária, o montante arrecadado seria de R$ 165 bilhões (as contas estão certas, Samuel?), o suficiente para superar o rombo anual nas contas públicas.

Se alguém achar que essa solução possa ser inviável, basta pesquisar o que a Hungria fez em 2011 para sair da crise que assolou todo o continente europeu. Não só foi o primeiro país a sair da crise; multou bancos por formação de cartel e passou a seguir bem até hoje, sendo Victor Orbán o primeiro-ministro que tomou medida heterodoxa, re- eleito desde então.

Enfim, dileto Samuel, pode revisar nossos cálculos; e é até bom que o faça. Mas, por favor, proponha algo novo, pois a crise brasileira vai de mal a pior e não é em razão de preciosism­os aritmético­s que este país vai voltar a se desenvolve­r. Muito menos diminuir o fosso que segue separando ricos de pobres.

A simples adoção de tributo temporário de 50% sobre o lucro bancário renderia R$ 55 bilhões aos cofres públicos

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